sexta-feira, outubro 21, 2005

Derrota do companheiro

Derrota do companheiro

editorial
O Estado de S. Paulo
19/10/2005

Quaisquer que tenham sido os motivos dos cinco deputados do PT para desistir da renúncia aos mandatos, correndo o risco da cassação e da privação dos direitos políticos até 2015 - e qualquer que seja, em cada caso, o desfecho dos processos abertos segunda-feira no Conselho de Ética da Câmara contra 11 acusados de vários partidos de envolvimento com o mensalão -, o fato é que a decisão conjunta dos petistas, surpreendente porque apenas 1 dos 6 cassáveis dela se dissociou, alterou o quadro da crise, garantindo-lhe a sobrevida que o presidente Lula tanto teme.
A decisão de ir à luta no Conselho e depois, eventualmente, em plenário, antes de mais nada, é uma derrota constrangedora do companheiro Lula. Era público e notório que o presidente havia montado toda uma operação, de que participaram dois ministros e os presidentes das duas Casas do Congresso, para induzir os acusados, previamente absolvidos por ele, a fugir da raia. A sua reação desprevenida ao ser informado, na Europa, do fracasso da sua manobra, deixou patente a força do golpe sofrido. "Mas só o Paulo Rocha (deputado paraense) renunciou?!", espantou-se, desconcertado.

Além disso, a disposição dos cinco de enfrentar o processo legislativo reforçou a impressão de que o homem forte do PT continua a ser o ex-ministro José Dirceu (cujo destino começará a ser decidido hoje no Supremo Tribunal Federal). Não só porque ele havia dito que renúncia é confissão de culpa, nem apenas porque tem dado tudo de si para safar-se da cassação - ou, se cassado, para sair como vítima de um pogrom político -, mas principalmente porque, entre o interesse de Lula e a estratégia antagônica de seu ex-ministro, os deputados ficaram, solidariamente, com esta.

Desde a eleição do candidato governista à presidência da Câmara, Aldo Rebelo, do PC do B, e à medida que os depoimentos às CPIs começaram a entediar o público, o Planalto passou a trombetear, dia sim, outro também, que a crise caminhava para os seus estertores. O lulismo sabe que, em política, muitas vezes o enunciado de uma previsão ajuda a concretizá-la. Mas não podia imaginar que deixaria de ser incontrastável a ascendência do número um do PT sobre os seus representantes parlamentares com a corda no pescoço.

Eles, por sua vez, não haverão de ignorar que Lula quer tirar a crise de cena o quanto antes menos para que a mídia pare de falar em mensalão e caixa 2 - sendo este o crime confessado a fim de acobertar o outro, o da compra por atacado de votos na Câmara, maior e sem precedentes - isso para não falar na origem do dinheiro, que, como diz o deputado Janene, líder do PP e também "cassável", é problema do PT -, mas para evitar que apareçam eventuais revelações de ilícitos novos, com o potencial de transferir o epicentro dos escândalos do Congresso para a Presidência.

Ainda assim, ao renunciar à renúncia, os deputados petistas - entre eles, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, o ex-líder de bancada Professor Luizinho e o ex-relator da CPI do Banestado José Mentor - indicaram que as inquietações de Lula não são necessariamente as suas. A prioridade deles é preservar suas carreiras políticas, sem o estigma do abandono do mandato. Acreditam que, quanto maior o número de processos, maiores as chances individuais de absolvição. Depositam também algumas fichas na hipótese de que o Supremo dê ganho de causa a Dirceu, o que tornaria mais provável a sua absolvição.

Para o País, a ida do grupo ao Conselho de Ética é evidentemente positiva. Primeiro, porque o direito à renúncia de parlamentares acusados de quebra de decoro, mesmo que só valha antes da abertura dos respectivos processos, é tão ou mais escandaloso do que as próprias acusações. Segundo, porque, na situação concreta, o que está em jogo não é primordialmente a cassação de uns tantos quantos políticos, mas a ampliação das oportunidades para o esclarecimento dos esquemas de corrupção postos em marcha no atual governo - que levaram a Transparência Internacional a "melhorar" a classificação do Brasil entre os países de maior corrupção no mundo.

Com os processos agora abertos, são 14 os que ocuparão o Conselho. Impossível prever o que deles poderá emergir ao longo de sua tramitação. Calcula-se que ela não terminará antes de abril de 2006. Para os que colocam a procura da verdade em primeiro lugar, talvez seja um tempo fecundo.