segunda-feira, outubro 31, 2005

27/10/2005


 


 

Leblon declara guerra à esmola Ricardo Albuquerque Jornal do Brasil 27/10/2005

Campanha de cidadania vai distribuir panfletos para combater pedintes, flanelinhas, camelôs irregulares e lixo nas ruas 

Pedintes, flanelinhas, camelôs e o lixo jogado na rua são alguns dos principais alvos da campanha Leblon Consciente, prevista para ser lançada domingo, com a distribuição de 5 mil panfletos e 200 galhadertes. A associação comercial e a câmara comunitária do bairro querem sensibilizar os moradores para que eles parem de dar esmolas, rejeitem o serviço ilegal de guardadores de carros, evitem comprar produtos sem nota fiscal e cultivem o hábito de colocar o lixo apenas nos coletores.
A presidente das duas instituições, Evelyn Rosenzweig, considera a campanha ''um grande puxão de orelha'' por cobrar um comportamento adequado de quem mora ou trabalha no Leblon. Rosenzweig afirma que o principal objetivo é chamar a atenção para resgatar o exercício da cidadania.

- Já que a cidade está abandonada, os cidadãos têm que ter iniciativa de mudar alguma coisa. E esses dez mandamentos podem ser cumpridos por qualquer um de nós. É uma questão de educação - avisa Rosenzweig.

O panfleto que será distribuído na orla marítima do bairro contém dez perguntas e respostas e sugere a prática de mandamentos para melhorar a qualidade de vida. Ontem, próximo à Praça do Zózimo, Rosenzweig se deparou com uma das transgressões mais comuns na Zona Sul: a artesã Rosilene Vianna Velloso, 23 anos, levou a cachorrinha Nina Victória à praia, apesar de a permanência de animais na orla marítima ser proibida por lei.

- As madames trazem seus cães, por que eu não posso? - indagou Rosilene ao ser abordada por Rosenzweig, que levou dez minutos para explicar seu ponto de vista.

Na Rua Adalberto Ferreira, a secretária Fabiane Lameiros, 29, que trabalha no Leblon há um ano e mora na Freguesia, é contrária à idéia de negar esmolas. Segundo ela, alguns deficientes merecem a solidariedade da população por não terem a quem recorrer, mas reconhece que a ausência de cidadania se tornou comum em todos os bairros.

- O Rio está em decadência como o Brasil todo. Sinto- me presa, sem segurança para sair de casa e estou cansada de ver tanta gente miserável. Pior: os governos federal, estadual e municipal não fazem nada - observou a secretária, que concorda com os outros nove itens da campanha.

Na Conde de Bernardote, o gerente do restaurante Na Pressão, Antônio Carlos dos Santos, 50 anos e há 15 ne Leblon, aposta no sucesso da iniciativa, e garante que a prática de pedir nota fiscal deveria fazer parte do cotidiano das pessoas. Já o ex-treinador do Flamengo, Carlinhos, lamenta que a imagem do Rio de Janeiro esteja tão associada à violência.

- O exemplo que deveria vir de cima nunca veio. A gente só ouve falar em roubalheira, corrupção e assassinatos mal explicados, o que naturalmente mexe com a nossa auto-estima - observou o técnico, que faz questão de cumprir o terceiro mandamento: lixo só no lixo.

A baixa auto-estima do carioca é apontada por Rosenzweig como um dos fatores para a campanha. De acordo com ela, a iniciativa será levada para outros bairros.

- Depois de darmos o primeiro passo, vamos incrementar a campanha com a instalação de uma barraca na praia para receber críticas e sugestões - prevê Rosenweig.

Augusto Nunes - A profecia se cumpriu Jornal do Brasil 27/10/2005

César Queiroz Benjamim, hoje sociólogo e professor universitário, foi prematuramente apresentado aos horrores da ditadura militar. Aos 15 anos, engajado num grupo de extrema-esquerda que sonhava derrubar o governo dos generais com ações armadas, já se envolvera em barulhos só experimentados por veteranos guerrilheiros. Tais proezas o haviam transformado num dos alvos preferenciais da polícia política, que o considerava "um elemento de alta periculosidade".
No soturno começo dos anos 70, foi preso. Manter no cativeiro um quase menino era uma decisão audaciosa mesmo depois de virtualmente revogados todos os códigos legais. O poder emanava dos quartéis e em seu nome era exercido. O general-presidente Emilio Médici ignorou os protestos dos poucos democratas suficientemente corajosos para criticar fosse o que fosse. Além da temporada na cadeia, César sofreu torturas reservadas a prisioneiros adultos.

Forçado a exilar-se, voltou ao Brasil nas asas da anistia decretada em 1979. Não renunciara ao sonho. Continuava disposto a lutar contra a injustiça social, combater as deformações decorrentes do capitalismo selvagem. Queria eliminar os abismos que demarcam as fronteiras entre os dois Brasis. Pretendia enfrentar o conservadorismo primata. Rendido à evidência de que o caminho para o poder - e para a mudança - passa necessariamente pelo voto popular, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores.

Em 1989, com a energia de sempre, incorporou-se ao grupo que coordenou a primeira tentativa de conduzir à Presidência da República o ex-operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. A derrota não cancelou a esperança: quatro anos depois, lá estava César entre os coordenadores da candidatura de Lula. Seria a segunda e a última campanha de César ao lado dos companheiros do PT. Ele deixaria o partido não por falta de entusiasmo, mas por excesso de informações desoladoras.

Há dias, com o didatismo do professor, a clareza analítica do sociólogo e o olhar do combatente decepcionado com a deserção dos generais, César Queiroz Benjamim descreveu as origens da grande crise que desde maio inquieta o país. As memórias do convidado transformaram o programa Canal Livre, transmitido pela TV Bandeirantes nas noites de domingo, numa desoladora aula de história contemporânea.

César contou que, em 1993, o grupo Articulação, liderado por Lula e administrado por José Dirceu, começou a planejar a recuperação do comando do PT, perdido nas eleições promovidas meses antes. A divindade decidiu que seu maior profeta seria o candidato à presidência do partido em 1995. A primeira fase do projeto, que contemplava movimentos estratégicos, deveria começar de imediato.

Lula cuidou pessoalmente de uma prioridade na área financeira: a indicação do nome do representante da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, para o Conselho do Fundo de Assistência ao Trabalhador. O escolhido de Lula foi um desconhecido professor, que dava aulas de aritmética a alunos do curso primário e vivia metido em greves. Seu nome: Delúbio Soares.

No momento, o FAT movimenta R$ 30 bilhões, extraídos do FGTS. Teoricamente, o governo controla o Conselho, do qual participam representantes das centrais sindicais. A mais poderosa é a CUT, lucrativa extensão do PT. Cumpre ao Conselho do FAT administrar o tesouro e procurar ampliá-lo.

Os conselheiros decidem onde, quando e como investir a dinheirama. Foi lá que Delúbio pôde mostrar seus dotes de fabricante de dinheiro, articulando manobras freqüentemente sombrias, mas sempre relatadas aos chefes. Na campanha de 1994, César Benjamin constatou que o grosso do dinheiro usado pelo PT vinha do FAT. Era fruto de ações criminosas.

Estupefato, solicitou uma reunião com Lula, Dirceu e outros mandarins do partido. Aquilo era um escândalo, avisou. Perplexo, ouviu de Lula e Dirceu o pedido: "em nome do partido", deveria esquecer o que descobrira. César não atendeu ao apelo. Tentou debater o caso até entender que chegara a hora de deixar o PT.

Já de partida, deu o recado derradeiro a Lula, Dirceu e outros companheiros presentes a um encontro do grupo Articulação: "Isso aí é o ovo da serpente".

Era.

 

Clóvis Rossi - Sombras, mais sombras Folha de S. Paulo 27/10/2005

Como tudo nestes tempos sombrios, o episódio da acareação entre Gilberto Carvalho, o chefe-de-gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva, e os irmãos do prefeito assassinado de Santo André apenas lançou mais sombras sobre as já densas sombras desta triste pátria.
Antes de continuar, é preciso informar, em benefício da transparência, que conheço Gilberto Carvalho há tempo suficiente para ter colossal dificuldade para acreditar que possa ter envolvimento na também colossal sujeira que está pintando no caso do seqüestro e assassinato do então prefeito Celso Daniel.
Feita a ressalva, chama a atenção a inversão de posições do próprio Gilberto e do PT, em geral, em relação ao caso.
No início, até Lula insinuava a hipótese de crime político: "Possivelmente sua morte foi planejada, possivelmente tem gente grossa por trás disso", afirmou no enterro.
De quem suspeitava Lula?
Agora que o foco está voltado para a hipótese de que Celso Daniel foi morto por conta de um esquema de corrupção na prefeitura petista da cidade, há um esforço do PT para fazer crer que foi crime comum, não de "gente grossa".
No primeiro momento, Gilberto Carvalho defendia aquele que hoje é tido como o culpado principal, o empresário Sérgio Gomes da Silva. Também no enterro, dizia Gilberto: "Quem mais perde com a morte do Celso é o Sérgio, pela amizade que eles tinham". E agora?
Mais: o então candidato petista ao governo paulista, José Genoino, dizia à época, sempre sobre o caso, que "o crime organizado no Brasil está prestando serviços para quem tem interesses contrariados". De que "crime organizado" falava Genoino?
Por que, uma vez no poder, o PT simplesmente abandonou a busca da "gente grossa" citada por Lula e do "crime organizado" mencionado por Genoino?

   Dora Kramer - Conflito de interesses O Estado de S. Paulo 27/10/2005

Se o PT quer mesmo esclarecer, pode começar por se aliar aos irmãos de Celso Daniel Gilberto Carvalho tentou, mas, a despeito da estudada veemência nas negativas, não conseguiu, na acareação de ontem na CPI dos Bingos, convencer que os irmãos do prefeito de Santo André assassinado em 2002, Celso Daniel, criaram uma história fantasiosa para impingir ao PT a falsa suspeita de que o partido estaria interessado na tese do crime comum para impedir que as investigações enveredassem para o campo da corrupção.

Como de resto ocorre sempre nesse tipo de confronto, cada qual manteve a sua versão e, no embate de palavra contra palavra, sobra ao exame de quem assiste o cotejo dos interesses por trás e a substância de cada argumentação.

O chefe de gabinete do presidente da República e a bancada governista presente à acareação trabalharam com fatores subjetivos. Distanciaram-se dos fatos e buscaram o tempo inteiro a desqualificação moral e sentimental de Bruno e João Francisco Daniel.

Praticamente acusaram os dois de aviltarem a honra e a memória do irmão em seu afã de esclarecer o assassinato, enalteceram o amor infindo do PT pelo prefeito, ressaltaram aspectos laterais, como a resistência da família em dar abrigo a uma filha de Celso Daniel, puseram no banco dos réus as relações fraternais, levantaram suspeitas a respeito de ingerências políticas na atitude dos irmãos, mas não forneceram um só argumento capaz de explicar as razões dos dois para se envolver em tão arriscada empreitada.

Em contrapartida, Bruno e João Francisco Daniel ativeram-se a fatos, datas, nomes, conversas, episódios, provas materiais e testemunhais registrados nos processos de investigação, deduções feitas a partir de relatos e dados técnicos, sempre observando a coerência, clareza e firmeza, mesmo quando tratados com desconfiança no tocante a seus propósitos.

Estes, fica difícil não concluir assim de forma aparentemente parcial, contribuíram sobremaneira para que os irmãos Daniel parecessem mais verossímeis em seus depoimentos.

A questão que se põe, ouvidas as partes, é a seguinte: qual a motivação dos petistas em desconsiderar a possibilidade de não ter havido um crime dito comum, e o que levaria os irmãos do prefeito a inventar uma história tão escabrosa e recheada de detalhes sobre queima de arquivo?

Gilberto Carvalho disse que não processou João Francisco por calúnia e difamação para não constranger a família, mas não se acanhou em fazê-lo ao longo de todo esse tempo de repetidas tentativas de desqualificar os dois irmãos, tratando-os como inimigos e não como parceiros de uma busca em direção à verdade.

Verdade que, se estiver ao lado da versão sustentada pelo PT, encerra o caso e livra o partido da suspeição de estar buscando se proteger das investigações relativas ao esquema de arrecadação ilegal de dinheiro por meio de propina cobrada a empresas prestadoras de serviços à prefeitura de Santo André.

Ao resistir à admissão de um outro caminho para esclarecer o assassinato, os petistas aceitam a suspeição baseada na existência de um interesse específico.

Já para os irmãos de Celso Daniel não há perdas nem ganhos em jogo.

Levanta-se uma dúvida a respeito da razão de Gilberto Carvalho para abrir a guarda diante de Bruno e João Francisco e, como ele acusa, falar abertamente sobre a existência de um esquema de arrecadação de dinheiro cujo reparte certa vez foi feito por ele ao então presidente do PT, José Dirceu.

O motivo, ficou claro na acareação, era exatamente o de alertar a família sobre a existência de implicações outras no crime e recomendar cuidado no trato das informações, a fim de não prejudicar o partido que nada tinha a ver com o crime em si, mas poderia ser prejudicado pela revelação de todas as circunstâncias acerca de sua ocorrência.

É provável que a CPI não venha a concluir nada a respeito do assassinato, cuja investigação foi reaberta na polícia de São Paulo. Mas é útil para mostrar um conflito entre o interesse de ampliar o leque de possibilidades e o desejo de restringir o cenário a uma versão contestada pelas evidências.

Aliança tática

O resultado da pesquisa Toledo & Associados mostrando que a maioria da população acha a corrupção do governo Lula "igual" à corrupção do governo Fernando Henrique Cardoso não serve de conforto ao PT.

Primeiro, porque, na mesma pesquisa, 40% consideram a devassidão maior agora e 15% avaliam como menor.

Além disso, os índices desfavorecem quem venceu as eleições por capitalizar a expectativa da mudança. FH perdeu, não conseguiu eleger seu candidato e, por isso, não é bom parâmetro de comparação para quem pretende ganhar as próximas.

O empate na realidade não é bom para nenhuma das duas forças pretensamente adversárias em boa situação.

E abre espaço para uma candidatura não comprometida com nenhum dos dois grupos já testados.

Por esta e algumas outras, não será de todo estranho se, em algum momento, petistas e tucanos vierem a fazer um movimento tático conjunto para mover obstáculos ao esperado embate entre PT e PSDB.

   Eliane Cantanhede - E o Senado entrou na roda Folha de S. Paulo 27/10/2005

Na sessão do plenário na terça-feira, a senadora Patrícia Saboya (PSB-CE) foi abraçada pela colega Heloisa Helena (PSOL-AL) à beira de uma crise de choro. Motivo: o ex-governador João Capiberibe, do seu partido e homem de boa biografia, perdeu o mandato de senador por uma decisão judicial. O Senado não tinha como contestá-la. Na sessão de ontem, a própria Heloisa Helena estava desolada, à beira de um ataque de nervos. Motivo: a desfiliação do senador Geraldo Mesquita (AC) do PSOL, que abriu processo contra ele no Conselho de Ética do Senado. Mais um que pode ser cassado, fora das CPIs. Quase ao mesmo tempo, eu entrevistava o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que, lá pelas tantas, ficou vermelho e com os olhos mareados. Motivo: horas antes, na noite de terça-feira, ele renunciara à presidência nacional do PSDB. Considera-se "massacrado" e "injustiçado". Capiberibe foi cassado pelo TSE, com decisão confirmada pelo Supremo, por tentar corromper duas eleitoras do Amapá. Geraldo Mesquita é acusado de usurpar uma parte do salário dos seus funcionários, prática indecente e até agora comum aos piores parlamentares -não a um de um jovem partido criado para se contrapor aos desvios do PT. E Azeredo é uma espécie de troféu do PT para mostrar que o esquema Marcos Valério não é de hoje nem foi inventado pelos petistas. Ao contrário, é uma tecnologia tucana que eles "apenas" sofisticaram e ampliaram. O curioso é que Capiberibe, Mesquita e Azeredo são respeitados pelos seus pares, criando constrangimento e levando uma crise que era da Câmara diretamente para o Senado. O Congresso hoje é uma Casa com os nervos à flor da pele, à beira da explosão. Ou da implosão.
 
Guerra de torcidas: 91 artistas e intelectuais pró-Dirceu versus 230 mil populares (lista da CNBB e da OAB) pela punição de todos.

@ - elianec@uol.com.br

   Jânio de Freitas - A tática das derrotas Folha de S. Paulo 27/10/2005

Se os petistas administrassem o país com a capacidade que têm para perturbar depoimentos que os incomodem, o governo Lula seria aquilo mesmo que prometeu na campanha. Mas o resultado final é, no mínimo, duvidoso: pode-se concluir que as obstruções e as protelações do PT têm estendido a crise mais do que qualquer outro fator. José Dirceu, aplicando a mesma tática em recursos judiciais e regimentais, vale-se de seus direitos e é bom que os use todos, mas chega ao mesmo resultado dos petistas de CPI: com mais dois recursos derrotados ontem, entrará ainda mais frágil no julgamento previsto para hoje, no Conselho de Ética.
Muitos dos depoimentos tomados nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos só ocorreram em razão de resistências do PT a admitir o óbvio. Em vez de enfraquecer o ponto incômodo e dá-lo depressa como ultrapassado, ainda que passando a outra questão desagradável, a ranhetice míope do PT presenteou a oposição, muitas vezes, com o prazer de convocar mais um depoimento exasperante para o governo e os petistas.
O PT só perdeu com essa conduta: cada sessão de CPI onerou-o com mais alguma culpa, deixou novas suspeitas para uso futuro e ainda propiciou a sugestão de mais convocações, que os petistas não puderam impedir nem detendo maioria com seus aliados. E tome de esticar a crise.
Por outros meios, José Dirceu fez o mesmo. Já na semana passada, o apoio exaltado que recebeu dos ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence, acompanhados com mais contenção por Eros Grau, não impediu a derrota feia do seu desejo de ter o processo de cassação suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Dirceu voltou logo ao Supremo para ter outra vez rejeitada a suspensão, como liminar -embora uma pequena restrição de Eros Grau ao relatório de acusação no Conselho de Ética.
Também julgada ontem em outra instância, não era provável que a tese da suspensão do processo vencesse na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Mas não há dúvida de que as duas derrotas de Dirceu no Supremo facilitaram decisões de deputados contra ele. Cada uma das derrotas que se sobrepõem tem colaborado para convicções de que sua cassação conta com legitimação jurídica.
Depois de tantas protelações equivocadas, governo e PT levaram a crise a uma bomba que estava esquecida. Tanto a crise se estendeu que alguém se lembrou de falar de umas fitas que estavam esquecidas no judiciário paulista. Na acareação, ontem, entre o secretário do presidente da República Gilberto Carvalho e dois irmãos de Celso Daniel, o prefeito assassinado de Santo André, a tática petista de perturbação impediu que trechos das fitas fossem ouvidos, mas não que fossem lidos. E o pouco que então apareceu, por persistência do senador Álvaro Dias, é como o portal de uma crise nova. O mensalão não sai do cenário, mas a morte de Celso Daniel passa a ocupá-lo também. Afinal.

   Luís Nassif - Os "focalistas" e o Bolsa-Família Folha de S. Paulo 27/10/2005

Economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Ricardo Paes de Barros é considerado o maior especialista brasileiro em indicadores sociais. Não é unanimidade quanto à maneira de encarar políticas sociais. É um dos expoentes do "focalismo" -a idéia de que as políticas sociais precisam ser focadas para ampliar a eficiência dos gastos. Defende que o aporte de recursos deve ser interprogramas -isto é, tirando dos menos eficientes e alocando para os mais eficientes.
Em recente apresentação no Conselho de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paes de Barros informou que, mundialmente, programas sociais modernos são do tipo do Bolsa-Família. Mas há a necessidade de um trabalho integrado, um atendimento sincronizado.
O Chile-Solidário tem cem programas na carteira e 30 mil famílias prioritárias. Tem um estoque de 10 mil empregos (comprados com recursos orçamentários) colocados à disposição dos assistidos. Há um convênio com a prefeitura de cada município, que mantém um agente de erradicação da miséria. Cada família tem que cumprir 56 requisitos para ser liberada gradativamente, desde a família ter todos os documentos até ter pessoas empregadas.
O problema do Bolsa-Família é que há conexão com a família apenas no dia do cadastramento, quando recebe um cartão magnético. Depois, o único monitoramento é a freqüência escolar por meio do MEC (Ministério da Educação).
Há que ser mais amplo, diz Paes de Barros. O Bolsa-Família tem um banco de dados dos melhores. O Brasil tem mais de 150 mil agentes comunitários que visitam famílias pobres, que sabem exatamente quem é pobre ou analfabeto. Se conseguir transformar esse agente comunitário em agente social, com recursos do Bolsa-Família e vontade de integrar programas, pode-se fazer uma revolução em pouco tempo.
Outras conclusões de seus estudos:
1) Crescimento ajuda a reduzir a pobreza, não a extrema pobreza. Para um crescimento médio de 3% ao ano da renda per capita e de 4,5% no PIB, seriam necessários um aumento de 50% na renda per capita e 15 anos de crescimento para reduzir a extrema pobreza pela metade. Se conseguir reduzir a desigualdade em 3% de uma só vez, o tempo necessário se reduziria a sete anos.
2) Também não adianta reduzir a desigualdade sem desenvolvimento. Em 2003, a desigualdade foi reduzida em 1% porque a renda per capita caiu e a pobreza ficou parada.
3) A maneira de reduzir a desigualdade é por meio de políticas educacionais apropriadas, apoio aos pequenos empreendedores, políticas sociais eficientes, não necessariamente taxando ou retendo rendas.
4) O fato de o Brasil ter uma economia sofisticada é um handicap importante para a eliminação da extrema pobreza. Em Honduras, para reduzir a extrema pobreza à metade, no mesmo período que o Brasil, seria necessário reduzir a desigualdade em 20%.
Nas diversas regiões brasileiras, há impactos diferentes sobre a extrema pobreza da redução da desigualdade e do crescimento. Para o Espírito Santo, a redução da desigualdade é fundamental; para o Ceará, é o crescimento.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br

   Merval Pereira - Depois das CPIs O Globo 27/10/2005

Os dois casos recentes que acirraram as relações entre a situação e a oposição estão intimamente relacionados ao uso de caixa dois nas eleições, o que favorece a posição oficial do governo de que essa é uma questão corriqueira entre os partidos políticos. E é mesmo, como está ficando provado no decorrer dessa crise política que não livra praticamente ninguém, e mostra a cada dia que a principal tarefa do próximo Congresso será aprovar uma reforma política profunda.

Mas a crise petista é mais ampla do que o uso de caixa dois em suas campanhas eleitorais, ou a arrecadação ilegal de dinheiro nas prefeituras que vem administrando, como a de Santo André, que teve o prefeito Celso Daniel assassinado, ou mesmo a de Ribeirão Preto, onde o atual ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi prefeito.

Um substituiu o outro no papel de coordenador da campanha presidencial que levou Lula ao governo em 2002 e que, sabe-se agora, também recebeu dinheiro "não contabilizado". Assim como Palocci, Celso Daniel certamente teria papel central no governo Lula, o que dá a dimensão da gravidade dos esquemas montados. Chegado ao poder, o PT armou um amplo esquema de financiamento ilegal de políticos e partidos para ter sustentação na Câmara, através de uma base partidária inflada a saques na boca do caixa do Banco Rural. Mas tenta fazer passar tudo como sendo apenas caixa dois, que seria um crime menor. O PSDB está ameaçando pedir uma CPI sobre o caixa dois apenas para tentar se recuperar do erro estratégico que cometeu ao não obrigar seu presidente, o senador Eduardo Azeredo, a se licenciar do cargo desde que surgiram as primeiras denúncias de que usou financiamento de caixa dois em sua campanha a governador de 1998, financiado pelo mesmo lobista Marcos Valério que foi o artífice do esquema de financiamento ilegal do PT quatro anos depois.

A impressão de que o PT tem algo a esconder no caso do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel permanece, depois da acareação de seus irmãos com Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete do presidente Lula. Como ressaltou o senador Jefferson Perez, a versão dos irmãos de que Carvalho lhes falou sobre o esquema de arrecadação ilegal que havia em Santo André parece verossímil. Mesmo a estranheza de alguns petistas sobre as razões que teriam levado Carvalho a fazer uma revelação tão grave aos irmãos do prefeito assassinado não tem razão de ser, pois é perfeitamente verossímil que, como representante do PT, Carvalho tivesse querido explicar à família do morto por que o partido não poderia investigar a fundo o seqüestro e morte, inclusive para preservar a memória de Daniel.

A família do morto, no entanto, talvez por não fazer parte da política petista, não considera que esteja preservando a memória do morto escondendo seus mal feitos políticos. Tudo estaria ligado ao famoso esquema de financiamento de campanhas eleitorais, que Celso Daniel consideraria "um mal menor" segundo um de seus irmãos. O crime, que a polícia e o PT insistem em classificar de comum, teria sua raiz em divergências do prefeito com assessores seus, que estariam se beneficiando do dinheiro para fins pessoais. Mesmo sendo importante definir que nem tudo é caixa dois, e que, ao contrário do que dizem o PT e o deputado José Dirceu, não foi a imprensa que inventou a lista de deputados petistas e da base aliada que receberam comprovadamente o mensalão, é preciso que se tire das CPIs sugestões para novas regras para o financiamento das campanhas políticas.

O cientista político Jairo Nicolau, professor-pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), um dos maiores especialistas em legislação eleitoral, preparou um trabalho onde propõe alterações para superar o que classifica de "falência do sistema de financiamento político no Brasil". Ele admite que o financiamento ilícito de campanhas é hoje um problema nas principais democracias do mundo. Escândalos recentes atingiram importantes líderes políticos na Alemanha, Itália, Japão e França. Segundo Nicolau, "a experiência mostra que com muita freqüência legislações extremamente rigorosas têm sido burladas por fraudes extremamente sofisticadas". Os estudiosos admitem, ressalta, que é "uma ilusão acreditar que possa existir um sistema de financiamento dos partidos e das campanhas invulnerável à corrupção eleitoral, sobretudo em economias com o grau de informalidade da brasileira".

Uma legislação mais eficaz segundo Nicolau, deveria contemplar três aspectos: transparência, praticidade e sanções rigorosas para os transgressores. Algumas sugestões do estudo de Jairo Nicolau:

1- Manter o sistema de financiamento misto. A tendência na maioria das democracias é adotar um sistema misto para financiamento das campanhas, e não o financiamento público exclusivo. A experiência internacional revela que subsídios indiretos são preferíveis aos diretos (dinheiro vivo). Se o objetivo é ampliar o papel dos recursos públicos nas campanhas brasileiras, deveríamos estudar maneiras de fazê-lo de maneira indireta. Por exemplo, garantindo a impressão de panfletos e material de campanhas, ou garantindo espaços públicos para a difusão de publicidade.

2 - Introduzir um rigoroso sistema de sanções, que deveriam ter vigência até a data da eleição seguinte para o mesmo cargo. As empresas que doarem ilegalmente, além de pagar multas, ficariam cinco anos sem poder participar de licitações ou de celebrar contratos com o poder público. Os partidos políticos seriam punidos com a anulação dos votos, multas e proibição de acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito. Os políticos transgressores teriam os seus mandatos cassados.

3 - Criar um sistema de auditoria por sorteio. Uma sugestão é adotar um sistema de auditagem das contas por sorteio. Apenas um número reduzido de candidatos (10%, por exemplo) seria rigorosamente investigado. Desses seria pedida uma prestação extremante detalhada com checagem dos dados junto às empresas doadoras, prestadores de serviços e fornecedores.

   Míriam Leitão - O PSDB errou Panorama Econômico O Globo 27/10/2005

O argumento do Eduardo Azeredo, de que não sabia que algumas de suas contas de campanha foram pagas pelo valerioduto, não vale. Se valesse, o PSDB teria de aceitar a defesa do deputado José Dirceu de que desconhecia os atos do tesoureiro do PT ou que o presidente Lula não soube de nada. O senador Arthur Virgílio precisa agora reler o abrasivo discurso sobre o dilema em que pôs Lula.
O argumento dos tucanos de que esse é um "crimezinho", apenas caixa dois de campanha, não exime o ex-governador. Se eximisse, a oposição teria de aceitar como boa a declaração do presidente Lula de que o PT fez o que é feito "sistematicamente" no Brasil. A ameaça do senador Arthur Virgílio de uma CPI do Caixa Dois é estranha. Se há um fato determinado, que se faça uma CPI. Apresentá-la como retaliação parece chantagem.

O PSDB errou desde o primeiro momento desse caso. Na dúvida, em julho, deveria ter afastado o senador Eduardo Azeredo da presidência do partido. Não seria prejulgamento. Seria providência natural num momento em que o PSDB estava exigindo punições ao PT.

A série de apartes aduladores do PSDB e do PFL durante o discurso em que Azeredo renunciou a 24 dias de presidência do partido foi uma demonstração espantosa de incoerência. Os argumentos eram os mesmos, vistos pelo avesso: o senador não soube que a conta foi paga por Marcos Valério; o evento foi apenas caixa dois de campanha; o senador é um homem honesto; é tentativa do governo de encobrir erros maiores; é perseguição política. Há de fato muito mais denúncias contra o PT sendo apuradas, mas ou o caixa dois é crime, ou ele é permitido. Se é crime, não há o que o legalize.

O risco que se corre aqui é de desmoralização da política como um todo. Os políticos de quaisquer partidos precisam reconhecer os erros, identificar as falhas institucionais, criar normas para evitá-los no futuro e, assim, reconstruir a abalada confiança da população em seus representantes. O que realmente importa não é que partido lucra com a crise, mas fortalecer as crenças democráticas num país que, na sua história republicana, viveu 40 anos de democracia e desperdiçou quase o dobro desse tempo em um arranjo oligárquico e duas ditaduras.

O brasileiro tem de aceitar um sem-número de comportamentos inadequados dos seus representantes e de suas autoridades. O ministro Carlos Velloso fez muitas declarações lúcidas sobre esse escândalo, mas escorregou quando justificou o voto em favor da liberação de Maluf. Ele disse que ficou sensibilizado pelo fato de o pai estar dividindo a cela com o próprio filho. O mesmo Supremo Tribunal Federal que ignorou o drama humano da mãe, condenada a carregar no corpo, por nove meses, um feto sem cérebro e sem esperança, acha que Maluf merece consideração por ser pai de um companheiro de cela. O STF pode ter bons argumentos jurídicos para revogar a prisão temporária de uma pessoa notória, réu primário, mais de 70 anos, com domicílio certo, que não havia tentado fugir. Maluf foi preso sob o argumento de que tentava instruir testemunhas; agora, vigiado, grampeado e avisado do que não fazer, teria menos chance de cometer o mesmo ato. Deve haver razão jurídica para se soltar um suspeito, antes do julgamento, por mais convencidos que todos estejam de seus crimes. Mas a piedade de um juiz pelo drama familiar vivido pelo acusado não é o melhor argumento, no caso.

Os políticos têm dado respostas toscas e contraditórias ao país, desde o início da crise atual. Não captaram um detalhe: o brasileiro é muito inteligente. Independentemente do nível educacional de cada um. Qualquer pessoa com educação superior no Brasil já ficou boquiaberta com raciocínios claros e sensatos de pessoas menos escolarizadas. Não sei se outros povos são assim, não vivi fora do país o suficiente, mas sempre me encantei com a precisão do pensamento do brasileiro comum. Aprendi isso com seu Jó, o servente do colégio onde estudei em Caratinga. Costumava aproveitar a hora do recreio, em que o via descansando, apoiado na vassoura, para ouvir a ironia fina e implacável com que ele avaliava tudo e todos a sua volta. Numa reportagem que fiz sobre educação no Brasil, guardei para sempre na memória a definição de analfabetismo dada por uma analfabeta: "Quem não sabe ler é cego do entendimento." A definição é lúcida e tem sonoridade tão "rosiana" que confirma a inteligência dos brasileiros abandonados pelo Estado e pelas elites, estejam em que veredas estiverem. A propósito, é isso que me faz sonhar com a força do Brasil educado. Quanto poderá esse povo, quando tiver estudado mais?

Os Azeredo têm boa reputação em Minas, desde Renato, o pai de Eduardo. Certamente sempre mereceram a boa avaliação. Mas o Brasil precisa de menos julgamento subjetivo. O país precisa de regras com validade geral. Não é permitido pagar despesas de campanha com dinheiro não declarado, de origem desconhecida e através de contas de publicitário. A menos que façamos uma lei, dizendo que isso pode ser feito. Ou a lei é cumprida, ou é alterada, uma determinação do estado de direito.

Os crimes cometidos pelo governo, pelo PT, são esse e vários outros. Vão além do uso de dinheiro de origem desconhecida e não contabilizado em campanhas eleitorais. Mas o fato de o governo e o PT terem cometido outros erros não absolve o PSDB. O PSDB ficou devendo uma resposta ao país.

   Tereza Cruvinel - Com unhas e dentes Panorama Político O Globo 27/10/2005

A temperatura política mantém-se altíssima mas parece clara uma diferença entre a primeira fase da crise e esta que agora se ensaia. Na primeira, o PT teve estourado seu bunker financeiro do qual jorrou dinheiro para partidos e parlamentares aliados. Era mesmo necessário investigar e punir. Agora, está em curso uma espécie de campeonato entre PT e PSDB para ver quem consegue ferir mais o outro. Que pode levar, no limite, a uma dupla e fatal hemorragia.

E como não há vácuo em política, alguém, alguma força difusa como esta que venceu o referendo, pode sair ganhando em 2006. Há petistas e tucanos que temem o morticínio mas estes não estão conseguindo impor moderação aos guerreiros nem estabelecer um diálogo em busca de limite para a crise. Limite não é pizza, não é deixar sem punição o que já foi constatado. Seria a fixação de uma fronteira, inclusive no tempo, para as investigações e os ataques. A CPI do Caixa Dois que os tucanos querem instalar investigaria campanhas desde 1998, inclusive nos estados. Imagine-se quanto tempo isso levaria e o raio de seu alcance. Se é para radicalizar, o deputado Delfim Netto vai mais longe:

— Então vamos recuar a 1974. Aí veremos que o caixa dois e fisiologismo começaram em 1985, com a redemocratização.

A democracia não pode ser culpada pelos erros praticados em nome dela mas Delfim faz outra brincadeira, mais reveladora do uso do caixa dois:

— Esta CPI é perigosa, pode levar à auto-exterminação dos partidos.

Com a renúncia do senador Azeredo à presidência do PSDB, por evidência de envolvimento com Marcos Valério, já não há quase partidos que tenham passado ilesos pela crise. Aldo Rebelo vem conseguindo pacificar a Câmara na medida do possível mas as cassações serão traumáticas e o estertor começa hoje, com a votação do parecer contra Dirceu no Conselho de Ética. E é no Senado que o leão ruge agora. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, fez duro protesto contra os cartazes que o apresentam como nazista. Os cartazes são infamantes e foram obra de intolerantes mas o senador atirou a primeiro quando chamou os petistas de "esta raça". Os tucanos liderados por Arthur Virgílio continuam ameaçando instalar a tal CPI do caixa 2, enquanto na dos Bingos o assessor mais próximo do presidente Lula, Gilberto Carvalho, era submetido a uma acareação humilhante com os irmãos de Celso Daniel, por obra de tucanos e pefelistas. Até agora, pelo menos, os petistas não pediram a cassação de Azeredo, mas a guerra já está aberta e ninguém sabe como acabará.

O deputado Roberto Brant, do PFL, é o mais silencioso dos cassáveis. Recebeu R$ 150 mil de Marcos Valério e admitiu que foi uma contribuição da Usiminas. Já deu sua explicação, não está procurando colegas nem pedindo para ser poupado. Nem se sente vítima de ninguém. Acha que foi vítima do processo. Que a CPI dos Correios cometeu um erro processual que ficará na História, ao mandar todos os 18 nomes para o Conselho de Ética sem avaliar caso a caso, sem lhes dar o direito de defesa antes de serem postos na lista, por si condenatória. Ele contempla o panorama com rara tranqüilidade e preocupação com o que haverá depois da crise.

— Estão todos vivendo a embriaguez do dia de hoje, esquecidos do amanhã. As feridas deixarão conseqüências, criarão barreiras políticas. Se amanhã o Serra for presidente, como irá negociar com os setores modernizantes do PT? Se o Lula for reeleito, governará entrincheirado e sem diálogo com a oposição? Todas as vezes que a política brasileira enveredou para o moralismo, quebramos a cara. A última foi a desmoralização do Juscelino, acusado de corrupção. Levou à eleição do Jânio e a tudo o mais que deu no golpe de 64.

Segurança na agenda (I)

Dois terços do eleitorado votaram contra a posição defendida pelos mais importantes lideres políticos do país, resume o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que se inclui na lista dos derrotados pelo "Não". Agora, trata-se de responder ao brado contra o descaso geral com a segurança pública, misturado a outras mensagens postas na urna. Quando falava disso, foi informado pelo relator, deputado Arnaldo Faria de Sá, de que acabara de ser aprovada pela comissão especial a emenda que dá poder de polícia às guardas municipais. Já foi aprovada pelo Senado. Aldo pretende levá-la ao plenário da Câmara tão logo possível, embora o tema vá levantar poeira. É provável que os governadores reajam, pressionados por suas polícias. Mas é bom que se discuta essa e outras medidas.

— Já mandei fazer um levantamento de todos os projetos sobre segurança que estão na Casa. Vamos depois promover grandes audiências sobre o assunto, trazendo aqui pessoas que nunca vieram, como secretários estaduais e comandantes de PMs. Aqui vêm empresários, sindicalistas, ruralistas e outros tantos mas nunca os que tratam da segurança. Precisamos valorizar mais esses agentes, combater o preconceito contra a polícia, sempre vista como rebotalho social — diz Aldo.

Segurança na agenda (II)

Também na linha de resposta ao voto "Não", técnicos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, do IML e do Instituto Félix Pacheco lançam hoje, juntamente com o deputado Carlos Minc (PT-RJ), um "decálogo para o fortalecimento da perícia criminal e médica", base para o esclarecimento dos crimes e o fim da impunidade. No Rio, diz Minc, para quase sete mil homicídios anuais existem apenas 300 peritos criminais e legistas, quando o razoável seria cinco vezes mais. Há 800 exames de DNA na fila, 700 armas esperando perícia e 3.600 fitas para serem desgravadas; 80% das impressões digitais não estão informatizadas e têm de ser comparadas a olho nu.

Um dos pontos do decálogo é a autonomia institucional para o sistema de perícia criminal e medicina legal, hoje um sub-departamento desprestigiado, não apenas no Rio. E o de sempre: mais quadros, mais qualificação, melhores recursos técnicos, melhores salários.

   Política - Um investimento para resgate em 2010 César Felício Valor Econômico 27/10/2005

A discussão ainda está relativamente longe do núcleo do governo, mas avança no Congresso uma tese muito próxima de zerar a eterna luta entre o Poder Executivo e o Legislativo em torno das reformas constitucionais, que marcou todos os governos eleitos sob a Constituição de 1988, talvez uma das poucas do mundo, senão a única, que recebeu 54 emendas em 17 anos de vigência. A crise política que ameaça desaguar na sucessão presidencial deve impedir que o debate sobre uma nova revisão constitucional, ou até mesmo sobre uma nova assembléia nacional constituinte, já renda frutos para o próximo governo e seja instalada em 2007. Uma proposta como essa precisaria de consenso entre governo e oposição para ser votada ainda no ano que vem.

Embora a Comissão de Constituição e Justiça tenha há dois meses aprovado por unanimidade o parecer do deputado Michel Temer (PMDB-SP) sobre a proposta de emenda constitucional do deputado Luiz Carlos Santos (PFL-SP) que transforma o próximo Congresso em revisor, é difícil imaginar que este congraçamento se reproduza nas próximas semanas no ambiente cada vez mais conflagrado em Brasília, para que a emenda transite sem problemas pela Comissão Especial, o plenário da Câmara em dois turnos e no Senado em tempo hábil. Mesmo com a previsão de um referendo popular para que a revisão entre em vigor, como estabeleceu o relatório do pemedebista. A votação na CCJ cumpriu o objetivo de não deixar que a idéia morra. Ainda que a discussão seja paralisada, no final desta Legislatura a emenda de Luiz Carlos Santos não irá para a gaveta. Poderá ser retomada pelo Congresso a ser eleito no ano que vem e discutida para entrar em vigor na eleição de 2010.

É um investimento que poderá ser produtivo, ainda que o resgate desta aplicação esteja tão distante. Um futuro Congresso Revisor tende a resolver impasses permanentes. Atualmente, há nada menos que 1.315 emendas constitucionais em tramitação no Congresso, 973 na Câmara e 342 no Senado. Tratam de tudo, porque de tudo trata a Constituição. A exigência do quórum constitucional de três quintos encerra dentro de um impasse permanente temas como a reforma tributária e a reforma política. Não foram feitas no governo Itamar, nem nos governos Fernando Henrique, nem no governo Lula e dificilmente serão feitas no próximo quadriênio.

Com a redução do quórum para maioria absoluta, abre-se uma chance para modificações profundas nestes setores. Será o momento, decerto, de discutir o mérito, e não apenas a urgência das mudanças. Uma mitologia de supostas verdades cercam os dois assuntos, sobretudo o da reforma política.

Um Congresso Revisor será a ocasião propícia para se colocar em debate falsos consensos, como por exemplo o de que o sistema de eleição de deputados no Brasil é uma chave para se entender a raiz de nossos males. E que a saída será a adoção do sistema de eleição de deputados e vereadores pela chamada lista partidária fechada, ou seja: o modelo em que o eleitor vota no partido e as vagas são distribuídas a partir de uma lista pré-estabelecida pelas cúpulas partidárias.

A tese com maior possibilidade de emplacar no futuro é a que criaria no Brasil uma espécie de sistema misto: metade das vagas seria definida da maneira atual, em que o eleitor vota em um candidato e as vagas são distribuídas de acordo com o que cada partido ou coligação consegue somar no voto popular, respeitando a ordem estabelecida pelo eleitor. A outra metade seguiria o sistema de lista fechada.

 Congresso Revisor pode solucionar impasses 

O que está longe da demonstração são as virtudes desta mudança, segundo comprova o trabalho "Listas eleitorais e competição partidária em perspectiva comparada", que está sendo apresentada pelo cientista político André Marenco, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no encontro da Anpocs, que reúne cientistas políticos e sociais de todo o Brasil anualmente em Caxambu.

Em sua obra, Marenco elimina o mito de que o atual sistema de eleição proporcional só existe no Brasil e na Finlândia, como se acredita. Existe também, com muitas adaptações locais, na Áustria, Chile, Suécia, Grécia, Peru e outros nove países.

O estudo enumera as mazelas que o temível sistema brasileiro acarretaria, segundo o senso comum: a corrupção eleitoral aumentaria, já que a competição de candidatos dentro dos partidos é intensa, o custo da campanha é mais alto e a fidelidade partidária é uma miragem, uma vez que o candidato teria grande autonomia frente à legenda.

O problema, segundo o pesquisador gaúcho, é que isto não se comprova ao se comparar o caso brasileiro com o de outros 69 países. Do universo pesquisado, seis países se destacam por alto índice de percepção de corrupção ou pouca "accountability" (controles de responsabilidades) entre as ONGs que elaboram rankings do gênero, como a "Transparência Internacional", por exemplo: Ucrânia, Serra Leoa, Paraguai, Indonésia, Geórgia e Colômbia. Nenhum deles adota o voto proporcional com lista aberta.

Três se destacam pela baixa percepção de corrupção: Suécia, Finlândia e Dinamarca. Todos com sistema de eleição semelhante ao brasileiro. Um sinal eloqüente que não é o sistema de eleição parlamentar o culpado.

 César Felício é repórter de Política