sexta-feira, setembro 02, 2005

O terceiro choque CELSO MING

O ESTADO DE S PAULO

 

A fúria do furacão Katrina pode produzir pelo menos um efeito positivo: o de, finalmente, ter levado os americanos a tomarem consciência de que o petróleo está acabando e de que qualquer interrupção na produção cobra lá seu preço.

Até agora, eles pouco ligaram para a escalada dos preços. Como tudo vai bem (ou ia) e porque as reservas chinesas financiam a gastança deles, diante da gasolina a US$ 3 por galão, os americanos podiam brindar com algum palavrão na hora de apresentar o cartão de crédito ao caixa do posto de gasolina, mas, afinal, pagavam.

A devastação de New Orleans entrou pela TV na casa de cada americano e, junto com ela, a percepção de que, durante alguns bons meses, ficará comprometido o fornecimento de combustíveis da região, responsável por cerca de 33% do petróleo produzido nos Estados Unidos e de 20% do gás natural. Ontem, por exemplo, mais de 90% de toda a produção americana de petróleo no Golfo do México estava paralisada. O presidente Bush reconheceu que a infra-estrutura de energia que serve a área ficará prejudicada por tempo indeterminado e exortou a população a reduzir o consumo. Mas o problema não se limita a consertar estragos.

Há algumas razões para acreditar em que o mercado internacional já esteja passando pelo terceiro choque do petróleo. O primeiro, em 1973 (Guerra do Yon Kippur), puxou os preços de US$ 3 por barril de 159 litros para US$ 12; e o segundo, em 1979 (Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini), para US$ 33 por barril. Hoje, o West Texas Intermediate (WTI), o petróleo-referência negociado na New York Market Exchange (Nymex), está sendo negociado na vizinhança dos US$ 70 (ver gráfico). Atualizados os preços pela inflação passada, esses quase US$ 70 ultrapassaram os níveis do primeiro choque, mas ainda estão aquém dos níveis do segundo.

O consumo mundial cresce a cerca de 4% ao ano e já ficou difícil para os fornecedores garantir a atual oferta de 85 milhões de barris diários. Se crescer a 3% ao ano, em 24 anos o consumo terá dobrado; se crescer a 4%, dobrará em pouco menos de 18 anos.

Qualquer anomalia no sistema de produção ou distribuição de petróleo, como o que acaba de acontecer, tende a desequilibrar um mercado que já vinha cambaleando, vulnerável a qualquer esbarrão.

Quanto ao horizonte dos preços, os especialistas divergem. Há os que apostam em que se acomodarão em torno dos US$ 60; outros já acenaram para US$ 100 por barril. Como já erraram por muito, para mais e para menos, conclui-se que ninguém consegue um mínimo de segurança nas previsões.

Os dirigentes da Opep já advertiram que, dentro de mais alguns anos, não estarão mais em condições de reforçar os suprimentos. Algumas multinacionais do petróleo avisaram que o mundo não pode mais contar com garantia de oferta plena. E é preciso ver até que ponto os apelos do presidente Bush pela redução do consumo serão atendidos.

Se este terceiro choque se confirmar, não será tão violento como os anteriores porque os países industrializados dependem menos do petróleo. Em 1973, por exemplo, os 23 mais ricos que se reuniam na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tinham no petróleo a fonte de 53% da energia consumida. Hoje, são 30 países e essa participação caiu para 40,5%.

A longo prazo, preços mais altos dos combustíveis tendem a racionalizar o consumo e a intensificar o uso de fontes alternativas de energia que só não eram acionadas porque seu custo era mais alto. Mas a curto prazo, seu impacto não será desprezível. Se os preços continuarem subindo a ladeira, ou permanecerem lá em cima, Estados Unidos, China, Índia e um punhado de tigres asiáticos terão de reduzir a marcha da economia. E isso, por sua vez, terá conseqüências para os demais países emergentes que contam com um mercado externo azeitado. E aí já estamos falando de Brasil, vasto tema que tem de ficar para outro dia.