segunda-feira, setembro 26, 2005

O PT e a imprensa Carlos Alberto Di Franco

O ESTADO DE S PAULO

Numa resolução de 13 itens, aprovada por unanimidade, a Executiva Nacional do PT iniciou o que chama de 'reação ao golpismo midiático que pretende inviabilizar o mandato legítimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva', dirigindo fortes críticas à imprensa e à oposição. O documento fala em processo de 'criminalização do PT' e diz que os petistas não podem 'assistir a esta formidável chantagem pública contra sua existência, que hoje alcança uma dimensão manipulatória só semelhante àquela que elegeu Collor em 89'. Para a direção do PT, o momento aponta para um 'festival denuncista com finalidades claras'. Tais finalidades, segundo a cúpula petista, são 'excluir o PT do cenário político nacional, esmagar as esperanças de que partidos de esquerda podem governar com sucesso e fazer o povo esquecer a corrupção sistêmica que eles (a oposição), como elite, implantaram historicamente no país'. A teoria conspiratória, lançada pelo ex-ministro José Dirceu e repetida no palanque do presidente Lula, rebrota com novo vigor.

O documento do PT pode parecer surrealista. Mas não é. Trata-se, na verdade, de uma peça de notável coerência. A ética do PT é a ética do poder a qualquer preço. O fim justifica os meios. Daí o despudor com que se mente nas CPIs e a tranqüilidade com que, mais uma vez, se investe contra a imprensa, instituição básica da sociedade democrática. É curioso, caro leitor, como o pragmatismo político acaba unindo os contrários. O vitimismo do ex-prefeito Paulo Maluf se aproxima, e muito, da síndrome conspiratória petista. Sentem-se, malufistas e petistas, perseguidos pelo Ministério Público e pela mídia. Ambos, no fundo, convergem para um denominador comum: o afã de poder. Independentemente de quaisquer balizas ou limites éticos. Há no Partido dos Trabalhadores, como é lógico, pessoas sensíveis e com valores. É uma pena que suas vozes não sejam ouvidas e que prevaleçam os critérios da práxis.

Há menos de dois meses, o presidente do PT, Tarso Genro, num discurso firme e moralizante, prometera promover a 'refundação' do partido. Ora, a expressão indicava a consciência da extrema gravidade da situação. O PT chegara ao fundo do poço. Agora, Genro, redator da recente resolução de contraataque, afirma que o partido é vítima de 'chantagem pública' promovida pelo 'golpismo midiático'. A autocrítica foi substituída pela urgente necessidade de 'iniciar mobilizações regionais articuladas' para 'esclarecer a opinião pública sobre os objetivos dos denuncismos em curso, inclusive estabelecendo diálogo com órgãos de comunicação que não estejam inseridos voluntariamente nesta campanha de massificação totalitária da opinião contra o governo Lula e o PT'. Quer dizer: a proposta de 'refundação' foi arquivada. O PT continua imaculado. Tudo não passa de uma armação da mídia, do Ministério Público e das elites. E, ademais, se quisermos estar bem informados, não devemos ler este ou qualquer outro jornal, revista ou telejornal dos grupos chamados conservadores. A Voz do Brasil pode ser a solução. Eis a receita do PT. É fantástico, caro leitor, mas é assim.

A cúpula petista está subestimando duas coisas: a inteligência do povo e a força da democracia brasileira. Alguns caciques do partido se comportam com a mentalidade que, há décadas, tem dominado a política nacional. Daí a boa convivência com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome da governabilidade. Encarnam o que sempre criticaram. O poder matou o sonho. O pragmatismo manietou a consciência. Tais comportamentos, no entanto, estão destinados ao fracasso. A sociedade brasileira não suporta mais a mentira. Venha de onde vier. O ataque ofensivo à imprensa é uma clara demonstração de fraqueza. Sabem, no fundo, que os indícios de crime praticados por inúmeros integrantes da agremiação acabarão se transformando em evidências irrefutáveis. É só uma questão de tempo. Na verdade, o partido está desabando. O País, queiram ou não os poderosos de turno, está virando uma página de sua História.

A imprensa brasileira, sem as mordaças que alguns têm defendido e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de purificação dos nossos costumes políticos. A mídia não é antinada e não está a serviço de nenhuma legenda partidária. Causam-nos profunda repugnância quaisquer tentativas de engajamento. Nosso compromisso é com a verdade e com a liberdade. Como já sublinhei neste espaço opinativo, nosso cliente não é o poder. É você, caro leitor.

Corrupção, intriga, vingança e mentira, muita mentira, compõem a receita de um enredo policial. No Brasil, a vida superou a ficção. Os escândalos envolvendo membros do governo Lula e do PT reúnem os ingredientes de um best seller. O presidente da República, chefe do governo, e não apenas do Estado, se protege com o manto de uma omissão clamorosa. Não sabe nada. Na viu nada. E ninguém no partido do presidente discute seriamente o caminho para aprofundar a investigação dos delitos. Debate-se, ao contrário, a estratégia mais adequada para uma operação de abafa. A transparência informativa, de que a cúpula do PT não gosta, representa, contudo, o elemento essencial para a renovação do Brasil. O eleitor, certamente frustrado, vai ganhando crescente discernimento. O ostracismo das urnas já será um grande passo, mas não basta. A conseqüência do delito, independentemente da ideologia e da manipulação semântica das velhas raposas, deve ser a punição cabal e exemplar. A imprensa, no cumprimento de sua missão de informar, não frustrará a expectativa de milhões de brasileiros. Buscará a verdade. E nada mais.?