o globo
O que de pior poderia acontecer para a imagem pública dos políticos está acontecendo nesta disputa pela presidência da Câmara: o governo soltou dinheiro das emendas parlamentares para cooptar apoios à candidatura de Aldo Rebelo; o corregedor da Câmara, Ciro Nogueira, "filho" de Severino Cavalcanti, descumpriu o acordo firmado entre os candidatos para baratear a campanha e contratou dezenas de modelos para desfilarem com camisetas pelos corredores do Congresso, e tanto o governo quanto a oposição estão fazendo manobras regimentais para votar apressadamente reformas eleitorais que beneficiam especialmente o baixo clero.
O presidente em exercício, deputado pefelista Thomaz Nonô, convocou sessões da Câmara para ontem e hoje, enquanto o líder do governo, deputado petista Arlindo Chinaglia, anunciou que retirará da pauta três pedidos de urgência constitucional de projetos de lei, para permitir que a reforma política possa ser votada antes do prazo fatal.
Há dois projetos de lei que mudam a legislação eleitoral: um, já aprovado pelo Senado, procura reduzir os custos das campanhas eleitorais proibindo showmícios e simplificando os programas gratuitos de televisão no período de propaganda eleitoral, que também teria a duração encurtada; e outro que altera fundamentalmente as regras eleitorais, instituindo o financiamento público de campanha, o voto em lista fechada e a proibição de coligação na eleição proporcional.
Este provavelmente não será aprovado pelo plenário da Câmara, mas contém um dispositivo que pode ser destacado e aprovado separadamente: a flexibilização da cláusula de barreira que entrará em vigor na próxima eleição, e vem preocupando muito os pequenos partidos. Pela lei em vigor, os partidos que não obtiverem na próxima eleição pelo menos 5% dos votos nacionais, sendo que 2% em no mínimo nove estados, continuarão a atuar, mas perderão algumas regalias no Congresso.
Não terão direito ao fundo partidário, nem horário de liderança nem gabinete, e não poderão participar de comissões nem da Mesa Diretora. Para se ter uma idéia do quanto representa o fundo partidário, os partidos receberam ano passado quase R$ 122 milhões.
Se estivesse em vigor nas eleições de 2002, somente sete partidos teriam superado essa cláusula de desempenho: PT, PMDB, PSDB, PFL, PP, PSB e PDT. No próximo ano, perderiam importância parlamentar os partidos do mensalão como PL, PTB e provavelmente o PP, afetados pelo escândalo. E também partidos políticos tradicionais como o PCdoB, o PV e o PPS. Esses partidos ameaçados estão trabalhando em duas pontas: tentam cooptar políticos bons de voto para a legenda até o fim do mês, e mexem seus pauzinhos para abrandar as exigências.
Os partidos do mensalão perderiam cada um, além do tempo de televisão, entre R$ 7 e R$ 10 milhões. Nada menos que 12 partidos não têm representação no Congresso, mas ganham o fundo partidário e têm tempo na televisão: os 12, mais o Prona de Enéas, que tem dois deputados; o PSC da base de Garotinho, que tem quatro deputados e o PRP, que tem um deputado, receberam no conjunto quase R$ 316 mil no último ano.
Antes da crise do mensalão, o PT cedia às pressões de seus aliados e sempre trabalhou a favor da flexibilização das regras. Durante a crise, anunciou que mostraria de que lado estava apoiando uma reforma política que limpasse a imagem do Congresso, e se declarou a favor da manutenção das restrições da lei.
Mas agora que conseguiu um pouco de fôlego político com o arrefecimento da crise, já está o governo novamente às voltas com instrumentos de sedução dos partidos do mensalão, tentando reorganizar sua antiga base eleitoral para eleger Aldo Rebelo presidente da Câmara.
Nesse caso específico, o interesse do PCdoB é igual ao de PL, PP e PTB, que, inflados artificialmente pelo mensalão do governo, perderão toda essa gordura para outros partidos nos próximos dias e precisam acabar com a cláusula de barreira para poder ter dinheiro público e tempo na televisão, e ganhar peso político nas negociações para cargos na mesa e comissões.
Há ainda em tramitaçãoduas emendas constitucionais: uma amplia até 31 de dezembro o prazo para mudanças nas regras das eleições de 2006, que, pela lei em vigor, termina na próxima sexta-feira, dia 30; outra acaba com a obrigação, que vigorou na última eleição presidencial, de as alianças políticas nacionais determinarem as regionais, a chamada verticalização eleitoral.
Há quem afirme que os dois temas, por tratarem de reformas na Constituição, podem ser alterados a qualquer momento, sem obedecer ao prazo estipulado em lei para mudanças eleitorais. Mas esse entendimento não é consensual no Congresso. Existem políticos que consideram que votar essas questões sem obedecer aos prazos da legislação eleitoral fere a "segurança da ordem jurídica" prevista na Constituição. Uma decisão desse tipo poderia ser questionada no Supremo Tribunal Federal, trazendo problemas para a próxima eleição.
Dentro desse quadro político, que regrediu aos piores momentos, existe a possibilidade concreta de que a candidatura de Ciro Nogueira ganhe força e vá para o segundo turno, o que colocaria governo e oposição diante do mesmo dilema: vale a pena vencer apoiando o retorno do espírito severino à presidência da Câmara?
A oposição, que não resistiu à tentação e votou em Severino para derrotar o governo, pode se defrontar novamente com a mesma situação. E o governo, que acusa a oposição de ter sido irresponsável, poderá ter que mostrar que não é irresponsável igualmente. De qualquer maneira, uma coisa já é certa: o baixo clero tornou-se o fiel da balança na Câmara, o que não é bom sinal.