folha de s paulo
A falta de cerimônia (para não falar de outras e piores faltas) da interferência feita por Lula na eleição presidencial da Câmara, com o fim de dirigi-la, é mais forte do que o escândalo PT/Valério como demonstração de que as regras da democracia política estão em frangalhos.
Se o regime democrático da Constituição de 88 define-se, primordialmente, pela independência dos Três Poderes, então no Brasil não há democracia nem Constituição em vigor. Não é uma situação nova: é uma situação que, em vez de encontrar esforços corretivos, passou a se agravar com celeridade perturbadora. Rumo ao imprevisível, mas não ao desconhecido.
No Congresso Nacional dos Advogados, que a OAB faz em Florianópolis sob desatinado descaso da mídia, os principais discursos de advogados, na abertura, clamaram todos pela urgência de socorro aos valores -éticos, institucionais, legais, todos enfim- cuja depredação lança o país em um regime amorfo, de vale-tudo por qualquer meio. Na mesma linha, e sob o mesmo silêncio da mídia, associações de magistrados têm exposto a inquietação de sua coletividade.
Caído o presidente da Câmara dos Deputados por conduta indigna, a eleição de seu substituto deveria ser, em tudo o que a envolvesse, o oposto do que a motivou. Mas nem a disfarçante intermediação de deputados, com a qual os mesmos propósitos espúrios eram buscados no governo Fernando Henrique, precisou haver agora.
No estágio a que já chega a depreciação das práticas onde mais elevadas deveriam ser, a Presidência da República chama ou recebe em palácio um fugitivo da cassação certa e certeira, um outro à espera de escapar com um julgamento de "companheiros", um terceiro a quem será proposto que desista da candidatura ou que retire uns 40 votos do candidato não-governista. Sempre com as convenientes compensações, entre as quais, já que se tratava de negociar com bens do Estado, não faltaria o ministério feito moeda. O propósito político não é novo, mas o método desabrido, com ares de quem não tem contas a prestar nem princípios a respeitar, o método é uma conquista recente destes tempos de tantos valérios e poucos valores.
A percepção da OAB e das associações de magistrados talvez seja o início de alguma coisa. Se não for, salve-se quem puder.