quarta-feira, setembro 28, 2005

Ineficiência fiscal e a 'Super-Receita' Maurício Martins Pacheco


O ESTADO DE S PAULO

A baixa eficácia na cobrança dos devedores da Previdência já foi debatida neste espaço, sendo a responsabilidade atribuída pelo debatedor a um suposto pacto entre Procuradoria e arrecadação. Trata-se, porém, de uma interpretação simplória a atribuição dessa carga à Procuradoria do INSS.

Antes que o INSS possa cobrar seus tributos em juízo, é necessário um processo administrativo, do qual alguns maus pagadores se valem para procrastinar o quanto podem a cobrança, geralmente se valendo de teses sem chance de sucesso. Não bastasse a burocracia que envolve a cobrança administrativa e judicial dos tributos, o próprio Estado, que se supõe seja o maior interessado, acaba prejudicando a cobrança, mantendo suas Procuradorias mal aparelhadas (a sede da Procuradoria em São Paulo, por exemplo, está interditada pelo Contru há anos), isso quando não edita normas que acabam por impedir qualquer cobrança séria, causando nos devedores a sensação de que o mais interessante é adiar o pagamento até o próximo Refis.

Apesar do quadro adverso, a Procuradoria vem buscando novos mecanismos de cobrança, mais eficazes e menos dispendiosos que os anacrônicos modelos tradicionais. Criou-se em 1998 a Divisão de Cobrança de Grandes Devedores do INSS e se intensificou o acompanhamento e atuação junto à Justiça do Trabalho.

A partir da constatação de que poucos devedores são responsáveis por mais da metade dos débitos em aberto, foram criadas oito unidades de cobrança de grandes devedores em oito capitais, num projeto pioneiro que se caracteriza pelo acompanhamento individualizado das empresas maiores devedoras, desde a fiscalização até a execução fiscal dos tributos, passando pelas etapas intermediárias de apuração da dívida.

Essa iniciativa se tem mostrado extremamente eficiente. Assim é que os parcelamentos, hoje, são cumpridos pelos devedores, já que eventuais inadimplementos implicam céleres providências. A atuação ganhou repercussão na imprensa em diversas oportunidades, valendo lembrar casos recentes: o bloqueio dos bens das empresas de Marcos Valério, da Vasp e de mais 14 empresas controladas por Wagner Canhedo, precedendo a atuação da Justiça do Trabalho e do DAC, identificação dos grupos de empresas de ônibus atuantes em São Paulo.

Em outra frente, a atuação da Procuradoria junto à Justiça Trabalhista tem possibilitado uma cobrança mais efetiva. A partir de 1998 a Justiça do Trabalho passou a ser competente para executar as contribuições sociais decorrentes de suas decisões. A regulamentação disso só veio em 2000, quando se criaram as primeiras equipes especializadas na Procuradoria do INSS. Inicialmente, apenas três advogados atuavam junto às 79 Varas Trabalhistas de São Paulo. A partir de novos concursos, incrementou-se a equipe, que hoje é responsável por uma arrecadação mensal de cerca de R$ 28 milhões, apenas na capital. O sucesso na arrecadação, que vem crescendo, se deve a uma atuação que aproveita o processo trabalhista, mais rápido e menos formalista, e ao fato de a empresa ser cobrada quando ainda se encontra em atividade.

Interessante ressaltar, também, o benefício aos segurados, reflexo da cobrança na Justiça do Trabalho. Ao trazer para a Previdência Social trabalhadores que se encontravam na informalidade, possibilita-se o cruzamento de dados do INSS com os da Justiça, o que possibilitaria que os vínculos de emprego reconhecidos na Justiça fossem usados para a aposentadoria do trabalhador.

Embora a arrecadação judicial ainda esteja inferior aos valores possíveis, nota-se que o novo modelo vem obtendo êxitos onde a burocracia fracassava. Ocorre que, infelizmente, em meio a essa transição, novamente o maior interessado na recuperação dos créditos vem atrapalhar sua efetivação. A criação da Receita Federal do Brasil ("Super-Receita"), apesar de apregoar a gestão eficiente na administração tributária, condenou a recuperação judicial de créditos a um retrocesso sem igual.

A criação do novo órgão, feita de supetão, tenta fundir dois gigantes - a Receita Federal e a Receita Previdenciária -, como se unisse duas empresas de fundo de quintal, sem que existam estudos aprofundados sobre a fusão que demonstrem quais os seus aspectos positivos e negativos, ou como maximizar os primeiros e minimizar os segundos. Basta lembrar que os bancos de dados do Serpro e da Dataprev não conversam entre si. A transição, mal planejada, tende a ser também penosa. A edição da medida provisória (MP) foi tão improvisada que, enquanto ela data de 21 de julho, sua exposição de motivos ficou pronta apenas no dia seguinte... Pior ainda, nem sequer houve estudo de impacto orçamentário referente à fusão dos Fiscos!

A MP 258 não unificou as carreiras jurídicas, e as atribuições da Procuradoria-Geral Federal (PGF) foram simplesmente entregues à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que nunca atuou na seara trabalhista e cuja divisão de cobrança de grandes devedores, baseada na iniciativa desenvolvida no INSS, é muito recente e ainda engatinha. Joga-se fora a experiência acumulada e o sucesso de um projeto de cobrança diferenciada, que volta praticamente à estaca zero na seara trabalhista e retrocede muito em matéria de grandes devedores. Mais ainda, criam-se 1.200 cargos de procurador da Fazenda Nacional para realizar um trabalho que hoje é feito por cerca de 650 procuradores do INSS. Isso sem mencionar a perda do viés social da arrecadação no Justiça do Trabalho, já que o INSS não mais atuará ali, impossibilitando o cruzamento de dados mencionado acima e prejudicando os trabalhadores.

Veja-se, assim, que o pacto da Procuradoria sempre foi com a sociedade e em prol da Seguridade Social. Pena esse laço ser desfeito de maneira abrupta e inconseqüente por uma MP que, à guisa de dar eficiência à máquina tributária, acaba por condená-la a um modelo arcaico de cobrança judicial.

O livro Relações Brasil-Estados Unidos: Assimetrias e Convergências (Editora Saraiva), que analisa, histórica e tematicamente, o conjunto das relações do Brasil com os EUA, incluindo a agenda de negociações em torno de uma área hemisférica de livre comércio, está sendo lançado hoje, com debate sobre as relações bilaterais, no Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Maurício Martins Pacheco

é procurador federal