O mais importante no primeiro relatório parcial conjunto das CPIs dos Correios e do Mensalão, divulgado ontem, não são os nomes dos 18 deputados cuja cassação foi pedida por terem se beneficiado de recursos ilícitos, como revelou a investigação parlamentar dos saques efetuados nas contas do publicitário Marcos Valério. Tampouco é o fato de que entre eles figura o ex-ministro José Dirceu - este, sob a acusação de ser o cabeça do esquema de suborno de políticos. O mérito maior do trabalho dos relatores Osmar Serraglio e Ibrahim Abi-Ackel é ter posto abaixo de uma vez por todas duas fabulações convenientes para o PT e o governo. Primeiro, a soez tentativa de usar o improvável pagamento regular de mesadas a membros do bloco aliado na Câmara para esconder a palpável contrapartida aos serviços tópicos por eles prestados sempre que necessário, desde a filiação a partidos indicados pelos operadores do Planalto até o apoio disciplinado ao governo em votações de peso. Dirceu não se cansará de sustentar que não se pode acusá-lo de comandar o que nunca existiu - o mensalão, no sentido que lhe deu, imprecisamente, o deputado Roberto Jefferson. Era portanto imperativo desmanchar o quanto antes esse sofisma, ainda mais quando o espectro de um "acordão" continua a rondar o Congresso. "O que resta inconteste é o recebimento de dinheiro por parlamentares e dirigentes de partidos que integram a base de sustentação do governo", escreveram os relatores já no preâmbulo do seu texto de 53 páginas. "O que menos importa é a periodicidade dos pagamentos. Alguns podem ter sido mês a mês, outros com maior ou menor periodicidade. O fato relevante, do qual não podemos nos afastar, é o recebimento de vantagens indevidas (...), sendo desimportante a denominação que se dê." Eles atestam que as acusações de Jefferson "têm encontrado correspondência nos fatos". A segunda fabulação atingida pelo relatório havia sido montada pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e por Valério - por ora, pode-se apenas especular sobre quem os instruiu para tal - a fim de explicar a origem e o destino da dinheirama: empréstimos bancários utilizados para aportar "recursos não contabilizados" a deputados da base que carregavam dívidas de eleições anteriores. Como se o caixa 2 não fosse crime eleitoral, apenas um pecadilho, de resto cometido "sistematicamente", chegou a desdenhar o presidente Lula. Serraglio e Abi-Ackel consideraram "desculpa esfarrapada" a simulação dos R$ 55 milhões em empréstimos assumidos por Valério e repassados ao PT. Aqui se chega, efetivamente, ao nervo do problema da corrupção e da crise que as denúncias desencadearam. Pois, se está estabelecido que determinado número de políticos - decerto maior do que os arrolados no relatório - recebeu propina, ou que nome se queira dar à maracutaia, e se a verba não saiu dos bancos citados por Valério para as suas empresas, "para dar aparência lícita a dinheiro de origem ilícita", veio de onde? De onde se suspeitava desde a primeira hora: principalmente "de empresa privada que tenha vínculo contratual com a administração pública", apontam os relatores. Ou, como diria o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, "dos Correios, da publicidade". Pode a sucessora de Dirceu na Casa Civil, Dilma Rousseff, achar que o loteamento da administração "não é atestado de corrupção", como afirmou na entrevista publicada ontem neste jornal. Serraglio e Abi-Ackel, porém, se pouparam de tentar tapar o sol com peneira. "A evidente seleção de diretorias ou ministérios a que estão afetas decisões de ampla repercussão empresarial (licitações, obras, patrimônio financeiro)", ressaltaram, "corresponde a espúrios ajustes, porque não consubstanciados no interesse público, se não do mais reprochável desvio de poder." Em português ainda mais claro, no governo Lula se roubou e se deixou roubar - se é que o pretérito é o tempo certo dos verbos. Eis por que talvez tenha se precipitado o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao prognosticar o término próximo dos apuros do presidente. A crise, acredita ele, "está saindo do meio para o fim". Não tão depressa, é o caso de objetar. O seu epicentro pode migrar para o Executivo. "Nenhuma CPI foi na origem do dinheiro", adverte o presidente da comissão dos Correios, Delcídio Amaral. "É acompanhar as próximas semanas."
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