O GLOBO
Lendo uma entrevista de César (Cesinha) Benjamin, o fundador do PT que há dez anos rompeu com o partido acusando-o de corrupção, pergunta-se como foi possível durante todo esse tempo não se perceber um processo de deterioração moral cujos sinais aparentes já revelavam, através de novos hábitos e costumes de militantes — carros, roupas caras — enriquecimentos por demais rápidos.
Ao contrário de muitos, não acho que se deve atribuir o mau passo do PT apenas à ânsia de ascensão social de alguns de seus dirigentes, que deixaram o poder lhes subir à cabeça e entrar no bolso. O deslumbramento não é a origem, mas a conseqüência visível do princípio, adotado aliás por parte da esquerda, de que "pela causa" vale qualquer sacrifício, principalmente o de se apropriar dos recursos alheios. Em outras palavras, os fins justificam os meios.
O desvio de conduta não foi um acidente de percurso ou uma emergência diante da necessidade política de eleger Lula na sua quarta tentativa. Os métodos já tinham sido utilizados na campanha de 1994. "Havia uma claríssima evidência de prática sistemática de caixa dois", disse Cesinha à repórter Eliane Brum. E para não parecer denúncia atrasada, ele contou como em 95 chamou a atenção para o "ovo de serpente", durante a convenção nacional do partido, no Espírito Santo.
Cerca de 800 delegados ouviam as acusações feitas da tribuna quando, de repente, obedecendo a um gesto de José Dirceu, um grupo se levantou agressivamente. "Eram umas 20, 30 pessoas. Vieram para me dar porrada. Lula estava lá, não participou, mas não impediu." A confusão acabou interrompendo o encontro. "O zunzum sobre desvio de recursos" teria começado ainda antes, no início dos anos 90.
Cesinha é categórico: "O Delúbio não fez nada que não tenha sido autorizado pelo Zé Dirceu. E o Zé Dirceu não autorizou nada de que Lula não tivesse conhecimento." Ele se desfiliou do PT ao constatar que Delúbio Soares e Sílvio Pereira haviam chegado à direção nacional levados pelos próprios Dirceu e Lula.
Como ninguém viu isso? Cesinha acusa a maioria dos intelectuais de tolerância com os indícios de degeneração. Além dessa pergunta, há outra para ser dirigida não mais aos militantes petistas, mas aos jornalistas, aos sociólogos, aos cientistas sociais: como ninguém previu que aquilo que estava ocorrendo quase ostensivamente numa escala e com uma voracidade tão fora do comum iria dar inevitavelmente no que deu agora?
Na parte que nos toca, a nós, jornalistas, temos que admitir, fazendo um mea-culpa, que fica comprovado mais uma vez que, em matéria de antecipar acontecimentos, somos craques mesmo é em prever o passado.