terça-feira, agosto 30, 2005

Villas Boas:Fraco é o golpismo

JB


Dos últimos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o atual, ministro Nelson Jobim, é, sem sombra de dúvida, o que mais se movimenta nos contatos com o Legislativo e o Executivo e o mais loquaz nas entrevistas e declarações aos colegas da imprensa. Não se trata de crítica, mas de mera constatação. Ainda agora, entrevistado por Roberto D'Ávila na TVE, com tempo à disposição, falou pelos cotovelos, saltitando dos temas políticos para os mergulhos rasos no escândalo da corrupção, que três CPIs investigam, com os complicadores da indefinição dos limites de cada uma e dos excessos de documentos que entopem salas do Congresso.

Lá pelas tantas, no embalo da melodia da sua eloqüência, o presidente de um dos poderes da República embarafustou pela vereda do ensaio sobre a crise. E se deixou levar pelos ventos do otimismo, servido como xarope de ânimo para a cura da epidemia de frustração em que afundamos, em maciça a amargurada maioria.

Pois a visão panglossiana enxerga a crise pelas lentes róseas como uma demonstração prática da vitalidade das instituições. Reconhece que há pedras no caminho, cascalhos que não ameaçam a solidez do regime democrático. O Congresso funciona, as CPIs investigam e o ministro não escapa da repetição da óbvia e impositiva necessidade da apuração das denúncias e a punição dos culpados. Sobre os embaraços do governo, da inação administrativa à omissão do presidente ou a avaliação dos dois anos e oito meses perdidos de mais da metade do mandato, nem uma palavra de reparo, o beliscão da reprimenda.

Não é difícil entender o saudável otimismo do ministro. Ao contrário, sobram-lhe razões para estar de bem com a vida. Desfruta de amplo acesso aos andares de cima dos outros poderes e sabe utilizá-lo na defesa dos interesses dos seus pares. Graças à sua obstinada e competente articulação política - com a achega do apoio do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti - conseguiu aprovar, no Congresso, o reajuste dos vencimentos dos ministros do STF de 19 mil para R$ 21.500, retroativo a 1° de janeiro deste ano, o que representa um gasparino premiado com o pagamento dos atrasados.

Não faltou previdência ao competente articulador. No mesmo projeto encaixou a inovadora antecipação do novo aumento para R$ 24.500, a partir de janeiro, garantindo as castanhas do Natal e o peru do Ano Novo.

Mais afoito do que o presidente do STF, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, convive com a crise que despeja lama sobre o Congresso e cuida de tapar o buraco, com firme solidariedade ao baixo clero e a todos à beira da cassação dos mandatos: jura que o mensalão não existe, é uma invenção de milhões de reais para o financiamento das campanhas. O caixa dois baixa a pecados veniais, castigados com brandura de pai amoroso. Nada além do puxão de orelhas de uma repreensão, das palmadas no bumbum da suspensão do exercício do mandato por poucos dias.

A eleição do deputado Severino a presidente da Câmara, com votos de sobra, foi o sinal da crise institucional à vista para os que não queriam enxergar a evidência. Mas, francamente, é tentar tapar o sol com papel transparente. Basta ligar a televisão, o rádio, ler os jornais, as revistas, abrir o computador e entrar nos noticiários em tempo virtual. Ou estamos na alucinação da paranóia coletiva?

Crise institucional, sim senhor, e gravíssima, envolvendo os três poderes, sem poupar a toga. O governo Lula balança, pendurado na corda bamba e podre do inesperado da denúncia que escancare a porteira do Legislativo purga a insanidade desmoralizante das mordomias, das vantagens, da madraçaria da semana de dois a três dias úteis, da indecorosa verba indenizatória, embrulhada na discutível esperteza da legalização. Anos de insensibilidade, de desprezo pela advertência das pesquisas que apontavam para a escalada da rejeição popular. No fundo do poço, focos de insensatez tramam fórmulas calhordas para garantir a impunidade de corruptos.

Só o que já se apurou e que os mais descarados tentam abafar, é mais grave, amplo e repulsivo do que as trampas do finado PC Farias que forçaram a expulsão do presidente Collor de Mello. Convém dobrar a cautela. Quando os duendes estão soltos na praça, excesso de tolerância pode ser confundido com cumplicidade.

Depois, não são as instituições que estão fortes. O golpismo é que está desarticulado, sem liderança, sem a sustentação militar dos tempos em que era moda derrubar presidentes.