domingo, agosto 28, 2005

Incentivo injustificado POR Mailson daNóbrega

O ESTADO DE S PAULO

 

O Brasil inventou a greve sem custo para grevistas. Noutros países, empregados e empregadores correm riscos, mas aqui os primeiros podem ganhar sempre e obter pelo menos um período adicional de férias remuneradas. Juízes do Trabalho têm o poder (e o exercem com freqüência) de abonar os dias parados. Administradores públicos fazem o mesmo, como se viu na recente greve do INSS. Não dá para acreditar que os servidores vão repor todas as perdas em fins de semana.

O direito de greve é uma conquista dos trabalhadores. Com ela, os patrões que não concordarem com demandas salariais e outras podem incorrer no custo da paralisação da produção. O custo para os trabalhadores será a perda do salário dos dias parados, se a greve fracassar. Para evitar a redução de seu poder de barganha, os sindicatos costumam ter um fundo de greve. Em muitos países, nos movimentos mais longos, sindicalistas e parentes dos grevistas pedem contribuições nas ruas.

No Japão, sua peculiar cultura gera greves sem interrupção da produção. Os trabalhadores comparecem portando uma faixa no braço ou na testa para demonstrar sua insatisfação. A greve acarreta constrangimentos morais para os empregadores, o que pode induzi-los a negociar e ceder.

Todos os países democráticos (e alguns não-democráticos) reconhecem o direito de greve. Esse direito se generalizou no século 19, incluindo a possibilidade de promover greves gerais, mas seu exercício depende de regras estabelecidas pelo Estado.

A lei pode impor certas precondições para decretar o movimento, incluindo a prévia aprovação em assembléia geral. A greve em serviços essenciais pode estar sujeita à garantia de um mínimo de funcionamento desses serviços.

O Brasil parece ser caso único em que uma categoria (servidores públicos) pode fazer paralisações sem regras. O direito de greve dos servidores foi criado corretamente pela Constituição de 1988, mas até hoje não foi regulamentado. Antes, esse direito era negado sob a justificativa de que os servidores gozavam da estabilidade no emprego. O argumento tinha suas fraquezas. Naquela época, não dava para negar o direito, mesmo porque a greve, ainda que ilegal, tinha se tornado uma prática no governo Sarney, que não tinha como reprimi-las.

A ausência de regras e o poder da Justiça do Trabalho criam incentivos para a greve injustificada, principalmente no setor público. Se não há risco de perda dos dias parados, praticamente não há custo para os trabalhadores na paralisação. E o ser humano reage a incentivos.

No setor privado, os negociadores têm incentivos para não ceder ou ceder o mínimo, pois está em jogo o seu emprego ou a sobrevivência da empresa. Assim, o abono dos dias parados costuma resultar de decisão de um juiz trabalhista, que nada tem a perder.

No setor público, os negociadores não enfrentam risco. O incentivo é para abonar os dias parados, pois isso pode contribuir para o fim do movimento. O custo é dos que não participam das negociações, ou seja, os contribuintes e os usuários dos serviços, como se viu no sofrimento dos aposentados durante a greve do INSS.

Caso não se ponha um limite ao poder de juízes e principalmente de dirigentes do serviço público, as greves injustificadas vão continuar, particularmente no governo.

Os países institucionalmente avançados criam restrições ao gasto público. Elas servem para evitar que os governantes tenham incentivos para ceder a pressões de grupos que demandam aumento de despesas. As restrições protegem os interesses da maioria, que podem ter de pagar o preço da incontinência dos gastos via inflação e/ou redução da capacidade de investimento do Estado. Pelas mesmas razões, os governantes deveriam ser proibidos de abonar dias parados em greves.

É preciso regulamentar o direito de greve dos servidores públicos, fixando regras para decretação do movimento, a necessidade de preservar o funcionamento de serviços essenciais e a proibição do abono de dias parados. Aproveitar-se-ia para estabelecer que nas greves do setor privado o eventual abono dos dias parados seria objeto de negociações entre empregados e empregadores e não de uma decisão judicial.

A greve é um direito essencial, mas não pode se transformar em instrumento de exercício da irresponsabilidade.