terça-feira, agosto 02, 2005

Editorial do JB A renúncia da confiança

Triste e vergonhoso estado de coisas no qual imergiu a política brasileira: tal o nível de desconfiança e repúdio da opinião pública frente ao sistema partidário e seus representantes, práticas e discursos estimulam múltiplas e inquietantes interpretações - especialmente quando considerada a enorme fronteira que separa a superfície da ação e a profundidade da intenção. Assim deve ser analisado o gesto de renúncia do presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP). Primeiro de uma série de renúncias de maus parlamentares ou mera esperteza para escapar de uma punição mais severa? Cessão a uma forte pressão da opinião pública ou prenúncio de um odioso ''acordão'', já em curso, entre denunciantes e denunciados? Convém ao eleitor ficar atento aos próximos passos revelados em Brasília.

No discurso de renúncia, Costa Neto confessou que recebeu dinheiro do Partido dos Trabalhadores para campanhas do PL. ''Admito que recebi esses recursos. Entretanto, por direito, esses valores se destinavam especificamente aos compromissos da campanha PT-PL'', afirmou, acrescentando que nenhum membro do seu partido pode ser considerado culpado. ''Não tínhamos razões para suspeitar das origens dos recursos que recebemos'', completou. Em outras palavras, o deputado exime-se de culpa porque teria sido ''induzido ao erro''. Há razões para acreditar que Costa Neto deseja tão-somente livrar-se de perdas eleitorais mais substantivas. Se viesse a ser cassado agora, afinal, estaria impedido de candidatar-se até 2010. Só poderia disputar as eleições municipais de 2012 ou as seguintes em 2014. Com a renúncia, abre caminho para nova disputa no próximo ano.

Em situação semelhante aparecem outros parlamentares, entre nomes do PT, do PP, do PTB e do próprio PL de Costa Neto. Não são raros os deputados prontos a renunciar caso algum pedido de cassação surja no Conselho de Ética da Câmara. Convém, no entanto, sublinhar: renúncia, ''acordão'' ou qualquer outra tentativa com evidente intenção de abafar as denúncias resultarão na corrosão definitiva de políticos e partidos. Os níveis expostos de velhas práticas têm escancarado o incômodo popular com seus representantes. Jogar para debaixo do tapete os problemas atuais resultará num preocupante enfraquecimento das instituições democráticas.

As evidências revelam-se nos números. Segundo pesquisa do instituto Datafolha, 49% da população brasileira afirma não acreditar na existência de políticos honestos. A tendência de reprovação aos congressistas cresceu nos últimos seis meses, informa a mesma pesquisa. Para radiografar os tumores: praticamente metade dos cidadãos considera que os principais responsáveis pelos projetos coletivos do país não apresentam um predicativo essencial às funções que ocupam. Vistos como desonestos, perdem legitimidade. Ilegítimos, os políticos enfraquecem as instituições das quais fazem parte. Enfraquecidas, tais instituições arrefecem as possibilidades de uma boa governança - requisito fundamental para um futuro mais vistoso.

O Brasil verá um novo e decisivo capítulo dessa tragédia que se abateu sobre o sistema político-partidário - com o confronto dos deputados José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) no Conselho de Ética. O dia integra um necessário expurgo que as urnas, sozinhas, não têm sido capazes de promover.

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