O ESTADO DE S PAULO
Do ponto de vista tático, o discurso do presidente Luiz Inácio da Silva rejeitando a possibilidade de renúncia e suicídio, no mesmo dia do depoimento de Rogério Buratti na CPI dos Bingos, não deixou de ser uma tentativa astuta. Descartada a possibilidade de Buratti deixar de ir à CPI sob alegação de deficiência física, mental e psicológica depois que o presidente da comissão decidiu enviar uma junta do serviço médico do Senado para examinar o enfermo, sobrou ao presidente da República a tarefa de dividir a cena. Enquanto Buratti começava a confirmar as informações dadas ao Ministério Público e a desmentir o ministro Antonio Palocci sobre a existência de um esquema de cobrança de propinas sobre o valor de contratos de serviços públicos para alimentar o caixa do PT nacional , no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social o presidente Lula fazia um de seus mais inusitados pronunciamentos. Tão inusual que autoriza a desconfiança de que tenha sido propositadamente sedutor, sob o aspecto jornalístico, ao molde de fazer sombra às afirmativas (já sabidas) de Buratti. Convenhamos, não há registro de presidente, governador, deputado ou senador que, em função de vicissitudes políticas tenha achado por bem informar que suicídio, renúncia ou fuga não estão em seus planos. É preciso reconhecer que um dito dessa natureza obscurece qualquer outro fato concorrente no dia. A menos, entretanto, que o fato seja um depoimento como o que deu Rogério Buratti, contrariando as expectativas de que pudesse recuar das afirmações anteriores ou alegar coação por parte do Ministério Público para incluir o ministro Palocci no rol dos envolvidos no modo petista de usar o Estado para financiar o partido. O ex-assessor do então prefeito de Ribeirão Preto não deixou dúvida também quanto à aplicação do método de desvio de porcentuais de contratos de prestação de serviços em prefeituras administradas por outros partidos e, no caso do PT que ele conhece de perto, em âmbito nacional. Falou até sobre a existência de um certo "grupo do Rio", denominação da facção integrada por Waldomiro Diniz para a missão de coleta e disse com todas as letras que o contrato da Caixa Econômica Federal com a Gtech contemplava um item específico sobre a "contribuição eleitoral". Buratti se expressou com tranqüilidade, expondo a constrangimento o médico ou psiquiatra signatário do atestado dando conta de sua impossibilidade de ir à CPI. Não entrou no jogo na bancada governista de exibi-lo como vítima de procedimentos investigatórios ilícitos e contou o que podia. A República, e o mercado, nem se abalaram. Talvez porque já exista um consenso, já não pairem dúvidas sobre o fundamental e exista um acordo tácito de todos seguirmos o presidente na conduta que, informou, imitará de JK; tendo paciência, muita paciência. Lesa-imprensa Escabrosa, sob todos os aspectos, a história contada ontem por Rogério Buratti a respeito do jornalista da Folha de S. Paulo que apresentou à ex-mulher dele uma gravação de conversa telefônica de caráter íntimo para, com isso, tentar fazê-la falar algo contra ele. Segundo Buratti, o jornal apresentou desculpas formais pelo comportamento do repórter que, se agiu mesmo da maneira relatada, merece o ostracismo profissional até aprender a se dar ao respeito. Conexão O jornalista Roberto D'Ávila entrevistou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que, no programa a ser exibido hoje à noite, fez a seguinte análise sobre o comportamento do Ministério Público hoje e nos tempos do PT oposição. "A partir dos anos 90 nós tivemos uma espécie de tentativa de aparelhar o Ministério Público para jogar com a oposição. E aí surgiu uma promiscuidade provocada pelos partidos de oposição, pelos políticos, que começaram a tentar instrumentalizar o Ministério Público para isso. Agora isso se inverteu, é preciso ter maturidade, mas faz parte do jogo." Morte Nada tão eloqüente sobre o presente estado de espírito das pessoas que fazem da crença em palavras vãs uma profissão de fé quanto a morte da velhinha de Taubaté, decretada por seu criador e interlocutor mais freqüente, Luiz Fernando Veríssimo. Vida Uma boa forma de superar e evitar a repetição dessa situação de "alma ferida", como definiu Chico Buarque de Holanda, é o País não se tornar caudatário de esperanças referidas em castelos de vento para não virar, depois, refém da desesperança e do aniquilamento. Como se o futuro de um povo pudesse ser cancelado por obra de meia dúzia de farsantes com fome de poder. Melhor que fantasiar um sonho é administrar com racionalidade a própria consciência.
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