O GLOBO
A revelação de que já em 1998 o lobista Marcos Valério utilizava empréstimos do Banco Rural para financiar o caixa dois de campanhas políticas, dando como aval contratos de sua agência de publicidade com os governos aos quais servia de intermediário, reforçou a tentativa dos governistas de reduzir todas as acusações de que são alvos a crimes eleitorais, praticados indiscriminadamente por todos os partidos políticos. Como, aliás, o próprio presidente Lula apressou-se a afirmar em Paris, antes mesmo que essa versão para o dinheiro ilegal fosse revelada pelos envolvidos.
O fato de a denúncia ter atingido o atual presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, quando de sua campanha para a reeleição ao governo de Minas, só fez melhorar a situação para os governistas, que conseguiram cravar uma estaca no coração do seu principal adversário político. A insistência com que os parlamentares governistas repetiram na CPI dos Correios ontem as acusações envolvendo os tucanos mineiros mostra que a melhor defesa que eles têm no momento é espalhar a lama por todos os partidos, na esperança de que, todos enlameados, surja um acordo.
Tudo indica que o crime eleitoral que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares confessou, corroborado pelo lobista Marcos Valério, tenha sido uma prática cuja expertise foi transferida pelo lobista para o PT como maneira garantida, e já testada com sucesso pelo menos no governo tucano de Minas Gerais, de financiar campanhas políticas. A única diferença é que o PSDB não admite esse procedimento como sendo um ato formal do partido, ao contrário do PT.
Como resultado dessa CPI dos Correios, portanto, deveria surgir uma ampla reformulação da legislação sobre o financiamento das campanhas políticas no país, apertando os controles de fiscalização e determinando punições mais rigorosas para os que as financiarem com o caixa dois. Atualmente, as doações e contribuições de pessoas jurídicas são permitidas até dois por cento do faturamento bruto do ano anterior, o que é considerado pelos especialistas um limite excessivamente alto.
A empresa que doar acima desse limite ficará proibida de participar de licitações públicas e de assinar contratos com o poder público por cinco anos, além de receber uma multa pecuniária equivalente a no máximo dez vezes a diferença não declarada. Na prática, a legislação atual não trata de punição ao caixa dois, mas apenas da doação acima do limite da lei. Na reforma política que foi aprovada pelas comissões da Câmara, com o financiamento público das campanhas, a punição se tornará mais rigorosa, já que qualquer doação particular estará proibida completamente.
Mesmo que o financiamento público não venha a ser aprovado, pois permanece um tema muito polêmico que não é consensual no Congresso, uma nova legislação sobre doações de campanhas deveria ser aprovada a tempo de permitir que as próximas campanhas políticas sejam realizadas sem o fantasma do caixa dois, que hoje é disseminado por todos os partidos.
Mas "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", como já dizia o ex-presidente do PT José Genoino, quando ainda tinha condições de fazer gracinhas. A situação hoje já não é mais separar o joio do trigo, mas separar os diversos tipos de joios, e tratar de cada problema por vez. Virando-se o foco da discussão para os financiamentos ilegais, tenta-se restringir as apurações da CPI dos Correios, esquecendo-se de que o que a gerou foram denúncias graves de uso da máquina pública para financiar um vasto esquema de corrupção de parlamentares com o famoso mensalão, cuja existência está praticamente comprovada pelos documentos já obtidos nos arquivos do Banco Rural, em posse do Supremo Tribunal Federal.
O que as investigações da CPI dos Correios estão demonstrando é que muito mais do que o dinheiro dos empréstimos oficiais correu pelo chamado valerioduto, o que sugere que houve um aprofundamento da técnica, para atender a uma política oficial de aparelhamento do Estado, muito mais ampla do que o simples financiamento de campanhas políticas. Além do fato de que o esquema de corrupção atual já está sendo considerado muito mais amplo do que o que levou ao impeachment do ex-presidente Collor, politicamente tem um impacto muito maior por ter sido praticado pelo PT, o partido que se criou na defesa da ética na política, e cresceu na credibilidade da opinião pública, até chegar à Presidência da República, exatamente por se apresentar como uma alternativa política diferenciada.
Se, no entanto, o esquema tivesse sido montado por uma quadrilha dentro do PT que, ludibriando a todos, se locupletasse do dinheiro público às custas da imagem do partido, seria mais fácil de resolver. Na cassação de Collor, a questão política foi simplificada pela quase unanimidade da opinião pública contra quadrilha alagoana que havia tomado de assalto o poder Executivo. O grave, hoje, é que tudo indica que foi montado um esquema institucional de corrupção que levou de roldão uma boa parte de um dos poderes da República, com o objetivo de perpetuar um partido político no poder.
Só uma atitude poderia desfazer essa percepção, que infelizmente vai se confirmando pelos documentos revelados na CPI: a admissão formal pelo presidente da República do que foi feito, e sua completa rejeição, como método de ação política antidemocrática.
Só assim poderia ser dado um passo para que esse final de governo fosse utilizado para, num grande acordo nacional suprapartidário, fossem aprovadas algumas reformas estruturais de que o país necessita. Só assim também o Presidente Lula voltaria a ter legitimidade política para tentar a reeleição à frente de um PT refundado.
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