E não diz, porque pretende o impossível: um grande acordo de conciliação nacional para limitar as investigações de corrupção ao Congresso, de preferência com a punição de algumas dezenas de políticos e três ou quatro prisões emblemáticas, de forma a que daqui a um tempo ele pudesse dizer que seu governo promoveu a maior limpeza no sistema político já vista neste país.
Desnecessário informar ao atento leitor as razões da impossibilidade da realização desse desejo. Ainda que todos os políticos e partidos resolvessem considerar que a jornada ética já está de bom tamanho para enfrentar um Lula de pé quebrado em 2006, não há como fazer voltar o tempo.
Não há como apagar o que foi feito do risonho ano de 2003 para cá nem o que foi visto e ouvido desde o último dia 14 de maio, quando uma armadilha montada nos Correios por uma das facções da quadrilha de assaltantes dos cofres do Estado para expor integrante da ala inimiga em flagrante delito fez explodir a crise em curso.
E se não é um acerto com vistas a dar o dito pelo não dito o que pretende o presidente da República, qual seria o objetivo da estratégia de defesa baseada em repetidas tentativas de intimidação?
Para impedir a instalação de comissões parlamentares de inquérito, o governo propôs a ampliação da investigação para o governo anterior; para tentar desorganizar seus trabalhos, orientou sua base a descredenciar moralmente os denunciantes; agora, para controlar os resultados, faz qualquer negócio: desde associar o todo aos delitos cometidos pela parte, patrocinando indiscriminada desmoralização da classe política, até recorrer ao abuso da demagogia por meio da exacerbação da inferioridade latente nos deseducados frente à "elite" mais informada e da manipulação de ressentimentos de classe.
Fernando Collor na hora do aperto recorria aos "descamisados". Lula vai buscar socorro naquilo que, para efeito de propaganda, está sendo denominado genérica e equivocadamente de movimentos sociais, mas são apenas grupos cuidadosamente escolhidos para fazer figuração em solenidades oficiais preparadas para denotar a existência de grande apoio popular e, com isso, impor timidez às providências.
Poderia até dar certo não fossem as evidências, o notório constrangimento e a insatisfação de aliados com as atitudes do presidente. Não fosse também a sistemática recusa de Lula em enfrentar as coisas como elas são, sem artificialismos, meias-verdades ou até confrontos institucionais como a antecipação do debate sobre alegadas intenções de pedir o impedimento do presidente.
Uma precipitação com o óbvio propósito de dar àquele instrumento previsto na Constituição um caráter golpista e, assim, agir preventivamente para desqualificar seu uso. O processo por crime de responsabilidade não é algo que possa ser feito sem sustentação legal, apenas por obra e graça da vontade política de quem quer que seja.
Por mais que o PT tenha forjado sua luta política no pressuposto do voluntarismo acima de tudo, até da lei, ninguém sai promovendo impedimentos presidenciais ao arrepio de provas e do convencimento da sociedade.
Ao tomar a iniciativa dar ao País essa impressão, os partidários da ofensiva revelam-se, no governo, mais irresponsáveis do que foram na oposição. Criam instabilidade política e econômica, entram no perigoso terreno das profecias que se cumprem a si próprias.
Quando recorre à tese da vítima do preconceito, Lula repete o estratagema usado na campanha eleitoral de 2002 para se abster de explicitar seu projeto de governo, para rechaçar perguntas indesejáveis, para fugir de cobranças perfeitamente cabíveis a um candidato a presidente da República.
Ele passou o ano de 2002 protegido sob o guarda-chuva do "Lulinha paz e amor", um personagem construído para não ser atacado nem cobrado a respeito de qual era mesmo seu plano de ação governamental. Confrontar contradições, à época, significava autuação em crime de terrorismo eleitoral provocado por preconceito de classe.
Agora observamos a tentativa de ressurreição daquela tática. Não mais para produzir um resultado eleitoral, mas para tentar sustentar índices de pesquisas à espera de que um milagre salve o presidente da própria incapacidade de enfrentar a adversidade com discernimento, respeito ao próximo e, se possível, algum senso crítico.
Alice
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não é o primeiro nem o único a recomendar ao presidente Lula que não leia, não veja e não ouça notícias sobre a crise. Semana passada Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, disse durante uma solenidade para empresários em São Paulo que deu a ele o mesmo conselho.
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