terça-feira, julho 26, 2005

AUGUSTO NUNES :Uma vestal sai do templo e cai na vida

JB



O comportamento e a aparência do deputado João Paulo Cunha sofreram notáveis transformações desde que o tresoitão engatilhado de Roberto Jefferson mostrou uma bala de prata brilhando na ponta do cano: "Vocês ainda vão ouvir falar muito num carequinha chamado Marcos Valério", disparou o pistoleiro naquela tarde de junho. O ex-presidente da Câmara conhecia muito bem o hoje célebre maleiro mineiro. Entendeu que se tratava do prenúncio do medonho barulho no saloon. E então se operou a impressionante metamorfose.

Passadas poucas semanas, sumiu o João Paulo com rosto de garotão, maneiras polidas, fala mansa, gestos contidos, cada fio de cabelo em seu lugar, óculos de primeiro da classe, afeito a sussurros conciliadores, mas decidido a enfrentar qualquer perigo em defesa dos humilhados e ofendidos. Foi substituído por um tipo assustadiço, com trajes descuidados, olheiras de porteiro de cabaré, barba implorando por lâminas, cabelos em desalinho, retinas dilatadas pelo pânico.

O João Paulo repaginado é o verdadeiro. Tem a cara de quem abandonou o templo das vestais para cair na vida, desfrutar do concubinato com malandros dolarizados e converter-se à devassidão lucrativa. A mudança na alma já ocorrera em 2003, quando chegou à presidência da Câmara.

Meses antes, Marcos Valério cuidara da candidatura de João Paulo em Osasco. Vitorioso, o deputado contratou o recente amigo de infância para ajudá-lo a eleger-se presidente da Câmara numa disputa sem concorrentes.

Tampouco haveria concorrência na licitação de araque destinada a escolher a agência publicitária incumbida de melhorar a imagem da Câmara. Ganhou uma das empresas de Marcos Valério, que teve o contrato renovado no último dia útil de 2004. Outra pérola no colar de mimos recíprocos. O Carequinha de Minas havia promovido várias pesquisas em São Paulo para saber a quantas andava a popularidade do parceiro. Que nada pagou. Espetou a conta nas despesas da Câmara.

Agora se sabe por que o deputado lutou com tamanha ferocidade para continuar mais dois anos no cargo que transforma seu ocupante no número 3 da linha sucessória. Agora se entende por que, confrontado com denúncias que pioravam a imagem da Casa, virava fera ferida. Ele temia que alguma acusação, desdobrada em investigações rigorosas, acabasse devassando os porões que freqüentava.

Se continuasse na presidência, teria boas chances de assassiná-las no berço, como fez em setembro de 2004. Na primeira página, o JB denunciou a montagem na Câmara do esquema do mensalão. João Paulo indignou-se: era uma fantasia, coisa de gente irresponsável. Comunicou à nação que, para eliminar possíveis dúvidas, a história seria investigada. A sindicância demorou menos de duas horas para inocentar os pais da pátria e condenar os acusadores. Ponto final.

Ponto e vírgula, decidiu João Paulo. Para o bravo defensor das excelências de todos os partidos, a ofensa exigia retaliações. Além de requerer direito de resposta, processou o JB. Só desistiu da ação judicial depois de publicado o artigo que alternava lições de ética e reprimendas a jornalistas abusados.

No momento, em vez de textos farisaicos, João Paulo retoca a carta da renúncia que começou a redigir quando foi oficialmente incorporado à quadrilha do mensalão. Ainda não criou coragem para o gesto extremo. Em busca da paz perdida, partiu para um sítio no interior de São Paulo.

"Não vou cair sozinho", ameaçou antes de seguir para a temporada no campo. Esse risco não há. Quando a casa desabar, verá muitos amigos por perto. Todos em busca de saídas no meio dos escombros.

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