sábado, junho 25, 2005

Miriam Leitão :Cenário pior

o globo
Pérsio Arida acha que o mercado está subestimando o risco que a atual crise representa. Affonso Celso Pastore lembra que os fundamentos são muito melhores agora, mas alerta que isso não é blindagem contra crises. Edmar Bacha avisa que há muito a fazer antes que se possa dizer que o Brasil deu certo. Três das melhores cabeças econômicas do Brasil mostraram, num debate em São Paulo semana passada, que, de novo, as dúvidas são maiores que as certezas no horizonte do Brasil.
Os três, mesmo com diferenças de abordagem, acham que há mais riscos, políticos e econômicos, do que se pode imaginar vendo a discreta oscilação do mercado financeiro.


Bacha chamou de "estratosféricos" os juros brasileiros. Pérsio arrematou:

— Um país que precisa dessa taxa de juros para manter essa taxa de inflação tem alguma coisa errada.

Pérsio e Bacha são co-autores, junto com André Lara Resende, da tese que explica a persistência da alta dos juros no Brasil como resultado da "incerteza jurisdicional" do país: o temor das mudanças da instabilidade de regras, das leis e da Justiça brasileiras. A incerteza jurisdicional é o risco histórico, crônico, mas qual é a natureza do risco atual? Seria a deterioração mais rápida e mais aguda da situação política. Além disso, os três economistas acham que há riscos que vêm de fora:

— O governo Fernando Henrique enfrentou muitos choques. Todos contra. O governo Lula enfrentou alguns choques. Todos a favor — diz Pérsio.

O governo passado enfrentou as crises cambiais de vários países, o caso das fraudes contábeis, as crises de 99 e 2002. Lula teve a vantagem de encontrar o mundo crescendo forte, os juros americanos em baixa, o alto preço das commodities exportadas pelo Brasil.

— É melhor não abusar da sorte — avisa Pérsio.

Na opinião dos três economistas, a situação internacional tende a piorar nos próximos 18 meses.

Pastore alerta para o risco de estouro da bolha inflacionária americana. Os preços do material de construção permanecem no mesmo patamar e os dos imóveis dispararam. Os analistas alertam para o risco de um estouro com o da bolha da internet.

— Além disso, há o início de uma desaceleração na China, que pode entrar em um daqueles ciclos de queda da taxa de crescimento, como houve no começo dos anos 90 — acrescentou Bacha.

Pastore lembra também que o presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, em fim de mandato, deve manter os juros ascendentes nos Estados Unidos.

Outra mudança para pior é o petróleo que, na semana passada, chegou a US$ 60.

— Por várias razões, o ambiente externo deve ficar um pouco pior nos próximos meses. Se algo se pode antecipar, é negativo — conclui Pérsio.

É nesse cenário externo

piorando que o Brasil se prepara para os próximos 18 meses, em que haverá uma disputa eleitoral e tem, na largada, uma crise de dimensões ainda não inteiramente delineadas.

A vantagem, segundo Pérsio, é que não parece haver risco de abandono do tripé superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. A desvantagem, diz Bacha, é que os problemas mais estruturais do país não foram enfrentados:

— Para o Brasil dar certo, é preciso enfrentar a questão da previdência saindo do modelo de repartição para o de capitalização.

Duvidoso é que uma mudança desse porte seja feita se em pouco tempo.

Pérsio tem defendido a tese de que é preciso mudar a composição da poupança brasileira, hoje em grande parte formada por fundos compulsórios como o FGTS. Ele defende também que o Brasil dê o próximo passo da estabilidade monetária, que é o de estabelecer a livre conversibilidade.

Tarefas de Hércules, neste momento, dificilmente se conseguirá executar. O melhor cenário é que o governo consiga superar a grave crise que o atingiu na qual ele tem se atrapalhado bastante.

— A minha impressão é que o risco político nesta crise é maior do que o normal — avaliou Pérsio.

Pastore acha que há mudanças importantes nos fundamentos brasileiros, entre elas, a saída de um déficit em transações correntes de 5% do PIB para um superávit de 2% entre 98 e 2004:

— Mesmo assim, o país não está imune ao risco. O risco não desapareceu, ele está mascarado.

A questão, explicou Pastore, não é saber se a melhora nos fundamentos é blindagem suficiente, é saber se isso é uma blindagem.

Quando se fala em risco, não é exatamente de disparada do dólar, como em 2002, porque a moeda está em queda em relação a todas as moedas do mundo e há muita liquidez internacional. O risco é basicamente político, segundo se entendia da análise dos três economistas.

— O governo Lula foi muito melhor do que o esperado. Imaginava-se que ele honraria suas propostas econômicas históricas e ele não o fez; deu uma guinada de 180 graus e isso levou ao bom ambiente dos últimos dois anos — lembra Pérsio.

Mas agora a incerteza voltou. Não a que se mede nas oscilações do mercado, nas posições zeradas na sexta-feira, nos boatos sobre entrevistas e matérias bombásticas. Mas a incerteza pura e simples: não saber o desenrolar de uma crise, como esta, inesperada, imprevisível e forte.

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