o globo
O presidente Lula tem à disposição dois caminhos para tomar em seu governo após a reforma ministerial, e só com a escolha do conjunto dos novos ministros poderemos ter uma idéia mais clara do que ele pretende: ou aprofundar a política econômica, enxugando a máquina estatal, a começar pelo seu Ministério, e melhorando a gestão pública; ou aceitar o caminho que o ex-ministro José Dirceu e o PT estão lhe oferecendo, o de apelar para os chamados "movimentos sociais" e encabeçar uma campanha popular em combate a uma fantasiosa conspiração das elites contra um governo popular de esquerda que só existe no sonho "bolivariano" dos radicais, mas que poderia ser ressuscitado diante da crise política.
O próprio ex-ministro Dirceu concordava, quando estava no governo, que não há espaço no momento político do país para rupturas, nem econômicas nem políticas, que não seriam aceitas pela sociedade brasileira. Mesmo discordando de aspectos da política econômica, ele permanecia dentro do governo fazendo apenas comentários pontuais, com o objetivo de marcar a posição de um grupo de militantes de esquerda, que se desiludia com o rumo do governo.
Dirceu gostava de dizer que, se Palocci tinha o apoio da sociedade civil, ele tinha o apoio do PT, e por isso tinha que ser ouvido nas questões econômicas. Agora, ele e o PT se vêm envolvidos em acusações de corrupção e, para se defender, inventam uma conspiração para combater. Se o presidente Lula tentar compatibilizar as duas posições, como indicam as informações sobre a indecisão que volta a dominá-lo, estará se enredando cada vez mais na crise política.
A conspiração contra o governo, na verdade, nasceu de desentendimentos em negócios surgidos de relações promíscuas do governo com as "más companhias" do PTB, PP e PL. E, até o momento, quem está acusando o governo é um dos principais líderes do que deveria ser sua base de sustentação no Congresso.
Enquanto isso, os principais envolvidos nas denúncias do deputado Roberto Jefferson sobre um esquema de corrupção que teria sido montado nos bastidores do governo Lula, e mesmo os encarregados da investigação, estão mandando recados cifrados em suas declarações que beiram a chantagem, transformando a natureza das negociações políticas e influindo decisivamente nas investigações em curso, especialmente na CPI dos Correios que se inicia formalmente hoje.
Em alguns casos, parece apenas que perderam a noção do que se pode ou não fazer, em outros apenas prosseguem fazendo o que se acostumaram a fazer, revelando a que ponto chegamos na nossa política. O primeiro a mandar sua mensagem nada subliminar foi o ex-ministro José Dirceu. Primeiro, afirmou, para quem quisesse ouvir, que nunca havia feito nada que o presidente Lula não soubesse. Depois, no discurso de despedida, disse que não se arrependia de nada que fez na chefia da Casa Civil.
Já na formação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, o governo não se poupou de interferir, a começar pela indicação do presidente da CPI, o senador Delcídio Amaral, que por ser líder do PT não deveria nunca ter sido escolhido para o cargo. Mas foi e, sabe-se agora oficialmente o que já era sabido nos corredores do Congresso: o próprio presidente Lula intercedeu para que o senador permanecesse à frente da CPI.
A interferência do presidente da República na escolha do presidente de uma comissão de inquérito de um outro Poder, que vai investigar o seu governo, já seria uma distorção do equilíbrio necessário entre os Poderes da República. Talvez por isso, o senador Delcídio se sente à vontade para, primeiro na tribuna do Senado, e depois em artigo publicado neste jornal, exigir do presidente da República a demissão de um diretor da Petrobras inimigo seu, que seria a fonte de informações negativas sobre sua gestão na estatal do petróleo quando lá esteve indicado pelo PFL no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Disse o senador Delcídio que assumira a presidência da CPI para "ajudar o presidente Lula", e agora se sentia alvejado pelo fogo amigo petista. Implícita na sua atitude a ameaça de que, não sendo "ajudado" pelo governo, também não ajudará. E a oposição aproveitou-se dessa situação insólita para se solidarizar com o presidente da CPI, em vez de contestar sua parcialidade, na esperança de que, agastado com o Palácio do Planalto, o senador Delcídio Amaral venha a conduzir os trabalhos da CPI com ânimo contrário ao governo.
No mesmo ritmo, os dois dirigentes do PT envolvidos nas acusações do mensalão permaneceram em seus postos depois de mandarem recados aos outros dirigentes: "O que fiz foi decisão partidária", deixou claro Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, que é, ou era, o responsável no partido pela distribuição de cargos no governo. Também o tesoureiro Delúbio Soares, acusado por Jefferson de ser o distribuidor do mensalão, se recusou a renunciar, dizendo que as decisões foram coletivas e não assumiria sozinho as acusações.
Todos negam a existência do mensalão, mas todos, também, fazem questão de ressaltar que o que fizeram não os envergonha, e fazia parte de uma estratégia do PT decidida em conjunto com o governo. O que será que fizeram, que não citam, e precisa ser avalizado pelo partido para se justificar? É isso que a CPI dos Correios começa a investigar hoje. Sem falar nas CPIs possíveis, como a do Mensalão e a dos Bingos, que o Supremo Tribunal Federal autorizará.
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