O Globo |
24/6/2005 |
A gravação do pronunciamento de ontem do presidente Lula foi feita em um ambiente tenso, depois de diversas reuniões com assessores e ministros no Palácio do Planalto durante toda a última quarta-feira. O presidente tem se mostrado deprimido com os acontecimentos nos últimos dias, ao mesmo tempo em que vai se dando conta do tamanho do problema político que tem pela frente. O afastamento do ex-ministro José Dirceu do Gabinete Civil teria sido a culminação desse processo de compreensão da gravidade da situação, embora ainda hoje o presidente mantenha um comportamento errático, tentado a usar sua popularidade para negar uma realidade que mais e mais o vai cercando de evidências. Lula e Dirceu, apesar dos muitos anos de convivência partidária, não são amigos pessoais, mas separar-se de seu principal assessor custou ao presidente um abalo emocional que perdura. Fugindo ao hábito, adquirido nos tempos de líder sindical, Lula já não troca idéias com mais de um interlocutor por vez. Tem tido mais conversas reservadas, e começa a dar demonstrações, à medida que os fatos se desenrolam, de se sentir traído diante das evidências de que um amplo esquema de corrupção foi montado nas empresas estatais junto aos partidos políticos da base governista. Não há dúvida de que houve um "relaxamento ético" nessas relações, segundo a definição de um político que esteve nos últimos dias com o presidente Lula. Ele tem sido pressionado pelos acontecimentos a assumir decisões como a de tirar Dirceu do Palácio do Planalto, que preferia evitar. E, diante da necessidade de fazer uma reforma ministerial mais ampla do que a que cogitava anteriormente, abrindo espaços de poder real para o novo sócio, o PMDB, o presidente mais uma vez se debate entre a lealdade a seus parceiros petistas e o que considera ser o seu papel diante da História. Nos últimos dias, por exemplo, o presidente teve acesso a várias pesquisas qualitativas de opinião, abrangendo o país todo, que lhe deram a exata noção de como a opinião pública está acompanhando a crise política e, mais que isso, o que espera dele. A percepção de que a corrupção está alastrada fica evidente nas pesquisas, mas a figura do presidente Lula continua preservada, à espera de decisões. Foi também por isso que ele resolveu gravar o programa de televisão, para prestar contas do que o governo vem fazendo no combate à corrupção. Foi-lhe lembrado recentemente uma frase de De Gaulle que já havia sido repetida em outro momento de especial delicadeza: "A ingratidão é uma virtude do estadista". A frase não combina com o estilo de liderança gregária do presidente, como definiu um assessor. Mas, apesar de parecer tarde demais, e distante de seu perfil de liderança, mais propício a delegações amplas, o presidente está decidido a acompanhar mais de perto as ações governamentais e para isso pretende reorganizar a estrutura do Palácio do Planalto, a começar pela de seu próprio gabinete. O gabinete do presidente da República ganhará uma nova estrutura de pessoal, para lhe permitir acompanhar mais de perto as ações que considerar importantes, sem depender de intermediários. Ele pretende também reorganizar a reunião das 9h para que ela passe a ser mais formal e menos improvisada, como vinha acontecendo. O chamado "núcleo duro" do governo, formado inicialmente pelos ministros José Dirceu, da Casa Civil, Antonio Palocci, da Fazenda, Luiz Gushiken, da Comunicação, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral, se reunia com o presidente em conversas que hoje são consideradas "muito informais". Como o presidente delegava muito as tarefas, especialmente para José Dirceu, não havia necessidade de formalizar instruções. Na definição de assessores, as reuniões se pareciam mais com conversas de amigos, ao estilo do que Lula estava acostumado quando era líder sindical e na direção do PT. Com a posição de executivo principal da equipe, era José Dirceu quem montava estruturas burocráticas para desencadear as ações do governo. Já na próxima semana, essa reunião começará a ser organizada por quatro ministros, que formarão o novo "núcleo duro" do Planalto, pelo menos no período em que durar a crise política: Antonio Palocci, da Fazenda; Luiz Gushiken, da Comunicação; Márcio Thomaz Bastos, da Justiça e Jaques Wagner, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que deve acumular a Coordenação Política do governo. Os quatro prepararão uma agenda prévia para ser discutida com o presidente. A ministra Dilma Rousseff, com um novo estilo de trabalho, vai também reorganizar o Gabinete Civil da Presidência, desmanchando a superestrutura que havia sido montada por José Dirceu para centralizar todos os assuntos que estavam sob a sua coordenação, em quase cem grupos de trabalho interministeriais. O interessante é que Dirceu, depois que Lula foi eleito, ao tomar conhecimento da estrutura do Gabinete Civil que era ocupado por Pedro Parente no governo Fernando Henrique, fez críticas a ela, dizendo que não dava condições de assessorar bem o presidente. Vê-se hoje que, do mesmo modo que Dirceu é a favor de um Estado forte, também gostava de grandes estruturas, menos por eficiência, mais para ampliar seus poderes. Está ficando claro, por exemplo, que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) passou a ser aparelhada da mesma maneira que a máquina estatal, para fazer parte de uma estrutura de poder que acabou gerando distorções. |
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