o globo
A reforma política que foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no embalo da crise em que o país está mergulhado tem como premissa o fortalecimento dos partidos políticos, mas, para contar com o apoio dos pequenos partidos para ser aprovada, criou uma miscelânea de medidas que pode inviabilizar seu objetivo: reduziu as cláusulas de barreira e ao mesmo tempo inventou a "federação de partidos" para abrigar os que, mesmo assim, não atinjam a performance mínima exigida. PSDB, PFL e PT querem alterar no plenário essa decisão, aumentando as exigências para funcionamento parlamentar dos partidos.
Ao proibir as coligações nas eleições proporcionais, a reforma política acertou um tiro mortal nos partidos que não têm densidade eleitoral e vivem de negociar o tempo de televisão. Mas atingiu também partidos tradicionais, como o PCdoB e o Partido Verde. Esses partidos, e mais alguns outros como o PL, escapariam das restrições legais com a redução das cláusulas de barreira dentro das regras atuais, quando podem se coligar nas eleições proporcionais. Sem as coligações, é possível que ainda corram risco nas próximas eleições.
Foram criadas por isso as "federações partidárias", coligações de partidos que poderão atuar nas eleições e no Congresso. Os partidos que integrarem as federações terão que atuar conjuntamente no Congresso, por um período mínimo. As cláusulas de barreira (ou de desempenho) reduziram suas exigências, que serão de 2% dos votos nacionais, em vez de 5% como estava antes na lei.
O partido continua tendo que ser votado em pelo menos nove estados, mas não existe mais uma votação mínima exigida em cada um desses estados. O partido terá, no entanto, que eleger deputados federais em pelo menos cinco estados. Partidos como o Prona, de Enéas, estariam inviabilizados nesse caso.
Mesmo com todas as facilidades criadas, de qualquer maneira, segundo o cientista político Jairo Nicolau, os pequenos partidos hoje já têm muitas restrições, que não tinham nos anos 80 e 90, quando havia acesso franqueado à televisão e uma facilidade grande para a criação de partidos. Hoje, o P-SOL está sofrendo para obter registro definitivo, precisa ter pelo menos 500 mil assinaturas, criar diretórios. E os partidos que não obtiverem a votação mínima nem participarem de federações, vão se tornar párias no Congresso, sem direito a líder, nem a indicar integrantes de comissões.
Também o financiamento público de campanha está sendo posto em xeque, apesar das evidências de que o sistema atual favorece o financiamento ilegal. Jairo Nicolau diz que os estudos mais atuais indicam que os sistemas mistos de financiamento são os que funcionam melhor. "O sistema privado, quando feito por cidadãos, é um vínculo de participação dos partidos com a sociedade. A busca de recursos é também uma forma de participação cívica", ressalta ele, lembrando que nos Estados Unidos, nas primárias, o cidadão pode doar. "O argumento de bom senso diz que é impossível deter o fluxo de capitais das empresas para a política. É uma realidade cada vez mais presente no mundo", comenta ele.
Ao mesmo tempo, "é fundamental ter recursos públicos, numa tentativa de tornar as campanhas menos desequilibradas. O risco de criar uma plutocracia, em que o dinheiro desequilibre o resultado das urnas, é muito grave". O ideal seria, portanto, uma legislação que permitisse os dois financiamentos, e uma fiscalização rigorosa.
Pelo projeto, o Orçamento da União terá que reservar R$ 7 para cada um dos cerca de 110 milhões de eleitores cadastrados. Os recursos serão divididos da seguinte maneira: 85% do total será repassado aos partidos, de acordo com o número de parlamentares eleitos no último pleito; 14% serão divididos igualmente entre todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados; e o 1% restante entre todos os partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A legislação sobre financiamento de campanhas eleitorais é problemática em qualquer lugar do mundo. O certo é que não existe em nenhum lugar financiamento público integral, como está sendo proposto aqui. Nos Estados Unidos, a lei mudou mais uma vez em 2002. O candidato pode não usar recursos públicos, mas tem que prestar contas e respeitar limites. A nova lei limita as contribuições conhecidas como "soft money" ( no sentido de "dinheiro fácil") doadas por empresas, sindicatos e pessoas físicas teoricamente aos partidos, mas que são usadas pelos candidatos.
Mas a legislação americana continua permitindo a venda de lugares em jantares com o presidente e outras autoridades. É onde o presidente Bush arrecadou mais dinheiro em sua campanha de reeleição: mais de US$ 70 milhões vieram de pessoas que se dispuseram a pagar US$ 2 mil — o limite máximo de uma doação pessoal — para jantar na Casa Branca ao seu lado.
Na França, o Estado criou a figura do "reembolso de despesas". Os candidatos que obtiverem mais de 5% dos votos podem receber até 50% dos gastos de um teto estabelecido pelo governo a cada eleição. Candidatos menos votados recebem menos de volta.
Realisticamente, ressalta Jairo Nicolau, "todos os esquemas são burlados e o caso americano está aí para provar. Eles criaram grupos de ação cívica que doam dinheiro para os partidos e todo mundo sabe que é um dinheiro empresarial sendo drenado para as campanhas". Para o cientista político, o principal, "é a sanção, especialmente para o doador, que a nossa lei atual não prevê". A legislação do financiamento público prevê que empresa descoberta fazendo "doações de campanha" ficará proibida de participar de licitação, e o partido perderá os votos.
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