quinta-feira, junho 23, 2005

Dora Kramer - Aposta no país partido




O Estado de S. Paulo
23/6/2005

Na crise, não convém ao presidente o papel de incentivador de conflitos de classe O presidente Luiz Inácio da Silva não faz jus a seus compatriotas ao proclamar-se cidadão número um da moralidade e da ética no Brasil nem age como estadista ao incentivar a versão do golpe de Estado por trás das denúncias de corrupção ora sob investigação da Policia Federal, Ministério Público e três diferentes instâncias no Congresso Nacional - a CPI dos Correios, o Conselho de Ética e a Corregedoria da Câmara.

O País está envolto em sérias vicissitudes de ordem moral, o PT enfrenta profunda crise de identidade, os Poderes Legislativo e Executivo passam por graves questionamentos no campo da legitimidade frente à opinião pública.

Não seria esta, portanto, a hora mais adequada de o chefe da Nação fazer apostas na divisão do País em dois - de um lado os movimentos sociais, de outro um campo nominado genericamente de "as elites" - ou mesmo de, na melhor das hipóteses, insistir nos discursos de jactância muita e consistência pouca.

Seria de se esperar, ao contrário, que num momento como o atual, o presidente da República agisse para agregar, patrocinasse a moderação e transmitisse à sociedade a confiabilidade de um comandante sereno, capaz e firme o suficiente para conduzir o País na travessia de um turbilhão que, embora grande e crescente, mais dia menos dia, bem ou mal, vai passar.

Alimentar sentimentos de ofensa de classes nos mais pobres organizados em entidades e movimentos amigos por afinidade ideológica ou interesse sustentado com verbas oficiais não vai ajudar ninguém, muito menos o presidente Lula, na tarefa de firmar liderança na condução da saída da crise.

Repor, como ele fez, o tema eleitoral no centro do debate não apaga da memória das pessoas as recentes ações patrocinadas pelo Palácio do Planalto para evitar a instalação da CPI.

Como de resto o remédio não está na remissão às operações da Polícia Federal porque estas não dizem respeito a mecanismos de funcionamento da máquina administrativa - onde não se buscou aperfeiçoar instrumentos de defesa contra a corrupção - nem aos escaninhos das relações entre o Poder Executivo e sua base de apoio no Legislativo.

Nessa altura dos acontecimentos, quem politizar o assunto - seja governo ou oposição -, perderá tempo e credibilidade. O ponto em questão não é quem vai ganhar a eleição de 2006, mas o esclarecimento de quem fez o quê, e em nome de quem, no manejo da máquina do Estado.

O perigo da aposta no País partido, além de outros equívocos de percepção, está no erro do alvo. Se alguém tem motivo para reclamar do rumo dado ao governo Lula são seus aliados tradicionais aos quais agora recorre.

Não é a chamada classe dominante. Esta ficou satisfeitíssima de prestar satisfações à própria consciência ajudando a eleger um presidente operário-nordestino-vindo-de-baixo para mudar este país.

Se a realidade não correspondeu ao sonho, não cabe à oposição resolver esse assunto de foro íntimo das "elites" decepcionadas, até tinha outras propostas na eleição de 2002. Os adversários querem enfraquecer politicamente Lula para tentar derrotá-lo em 2006? Não há dúvida, mas agora nem de alternativa viável a ele, para dar face e voz ao golpe, dispõem.

Preferem aguardar os acontecimentos, e o fazem com a gentil colaboração do governo que não se ajuda e recusa colaboração.


O pingo do i

O tumulto instalado na volta do deputado José Dirceu à Câmara traduz o potencial de conflito contido em sua figura. A menos que ele tenha tido mesmo a intenção de despertar tensões, e aí cumpriu seu objetivo, estavam certos os defensores de um retorno mais discreto.

Dirceu não conseguiu acabar seu pronunciamento e se expôs ao constrangimento de ser lembrado pelos adversários de sua condição de "um deputado como outro qualquer". Ele é, tomou a iniciativa de dizê-lo, mas a repetição da evidência e a sucessão de discursos depois soaram como provocativo aviso de que dias piores para seu mandato virão.

No governo, Dirceu prometeu, mas não cumpriu, pôr "os pingos nos is" do caso Waldomiro Diniz. Na Câmara, os primeiros acordes de sua volta indicaram que ele pode vir a ser o próprio pingo do i se não for hábil no trato com seus pares.

Maus modos

No quesito desrespeito ao Parlamento, na sessão da tarde de ontem na Câmara houve empate. A bancada do PT levou uma claque às galerias e, do plenário, incentivava, com palavras de ordem e punhos para o alto, manifestações proibidas pelo regimento.

Em matéria de falta de modos, os petistas desta vez igualaram-se ao deputado Jair Bolsonaro - conhecido pela indiferença aos trâmites da democracia e da boa conduta - , em sua patética performance de insultos a José Dirceu enquanto sacudia um saco a título de alegoria de referência ao pagamento do mensalão.

Daí às cenas de pancadaria no plenário, saiu todo mundo muito mal do episódio, cuja origem foi a pretensão do ex-ministro de poder voltar à Câmara no mesmo ambiente de saudação reverencial presente nas solenidades de despedida no Planalto e no PT.

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