O Estado de S. Paulo |
24/6/2005 |
Segunda-feira, o presidente do BNDES, um dos integrantes da equipe econômica do governo, Guido Mantega, se sentiu na obrigação de tranqüilizar o distinto público: "A política econômica não caminha para a ortodoxia", disse ele. O conceito e as conseqüências de uma decisão dessas já foram analisados aqui na edição de domingo. Para clareza do que se segue, convém, no entanto, saber que a zeragem desse déficit implica juntar um superávit (sobra de arrecadação) de proporções tais que pague as despesas de juros ao longo do ano. A proposta, defendida junto ao governo pelo ex-ministro Delfim Netto, é consistente e, em princípio, não provoca mais arrocho fiscal, como vem sendo temido, porque os juros tendem a mergulhar por ação da gravidade exercida pelo aumento da confiança que uma decisão dessas provocaria. Esse projeto ganhou força porque a crise política está exigindo resposta rápida. Goste-se ou não, a política econômica é o único setor que funciona no governo. E é preciso mostrar resultados a tempo de garantir retorno eleitoral. A simples menção da idéia de reforço do superávit primário (assim é vista a idéia do déficit nominal zero) provoca urticária nas esquerdas brasileiras que vêem nisso concessões ainda maiores "aos neoliberais", ao "mercado financeiro", e aos "rendeiros", que hoje são, segundo eles, os maiores beneficiários da atual política econômica. Por "rendeiros", entendam-se os que se beneficiam dos juros pagos pela dívida pública. Se você tem um dinheiro aplicado em fundos de renda fixa (DI ou prefixado) é um desses que engorda o patrimônio pessoal com os juros do sistema e está alinhado com os banqueiros. Portanto, está entre aqueles a quem essa gente chama de "rendeiros". Nesse diagnóstico, quando os recursos são fortemente canalizados para o pagamento dos juros da dívida, sai perdendo o investimento produtivo, justamente o que cria riqueza e empregos. A população pobre perde três vezes: porque não tem aplicações financeiras; porque empregos novos e salários melhores ficam para trás; e porque lhes são negadas políticas sociais que redimiriam suas vidas. Quem pensa assim tende a enredar-se numa teia de equívocos. Antes de mais nada, a política de zeragem do déficit nominal não favoreceria os tais "rendeiros" pelo simples fato de que tem por objetivo derrubar os juros. "Rendeiro" vive de renda, portanto quer juros lá em cima. Quem defende o tombo consistente dos juros não pode ser considerado "rendeiro". Em segundo lugar, se a dívida pública está alta demais é porque o governo (setor público) gastou mais do que podia e teve de endividar-se para obter cobertura para o excesso do seu consumo. Isso significa que a política foi de antecipar consumo. Quem afirma que os "rendeiros" têm tratamento privilegiado ou está defendendo algum calote na dívida pública ou está exigindo a derrubada artificial dos juros. Outra vez, os juros só estão lá em cima porque o governo gastou mais do que devia e agora o Banco Central tem de puxar os juros não só para combater a inflação proveniente do consumo excessivo do setor público, mas, também, porque não consegue tomador para seus títulos a uma remuneração mais baixa. Pois o jeito de reduzir fortemente os juros é esse aí: é garantir que a dívida está caindo. Se é ortodoxia, que seja bem-vinda e produza seus frutos. |
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