O fato de o vice-presidente da República, José Alencar, ter anunciado que não será candidato nem ao governo de Minas nem ao Senado nas próximas eleições não significa que ele esteja pensando em desistir da vida pública. Muito ao contrário, há sérios indícios de que ele também está sentindo o “comichão do futuro”, como já definiu o ex-presidente Fernando Henrique com relação ao PSDB, e em Brasília já não é mais segredo que o vice-presidente tem entre seus planos se candidatar à Presidência da República na sucessão de Lula, decisão que será reforçada caso o PL seja mesmo trocado pelo PMDB na composição da chapa da reeleição.
O senador Jefferson Peres, do PDT, ele também um “presidenciável”, se dispõe a apoiar Alencar caso ele confirme a candidatura. Também o deputado Armando Monteiro, presidente da CNI, “desconfia” que o vice-presidente esteja planejando se candidatar à sucessão de Lula.
Às suas pregações contra os juros altos, uma bandeira altamente popular, José Alencar está adicionando críticas mais amplas à política econômica do governo. Ele terá uma reunião hoje com um grupo de economistas de esquerda, todos ligados ao Conselho Federal de Economia, que prepararam um documento intitulado “Política econômica, governança e governabilidade”, no qual defendem políticas econômicas “consistentes com a estabilização, a redução da vulnerabilidade externa e o desenvolvimento” baseadas na expansão do mercado interno, especialmente o consumo das famílias, investimento privado e gastos públicos.
Estarão presentes: Sidney Pascotto da Rocha, presidente do Conselho Federal de Economia; Ney Cardim, vice-presidente; Reinaldo Gonçalves e João Paulo de Almeida Magalhães, conselheiros do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
Os economistas convidados pelo vice-presidente consideram “um grave erro estratégico” o governo ter adotado políticas monetária, fiscal e salarial que classificam de restritivas, e implementado medidas de liberalização cambial, comercial e financeira. Eles denunciam no documento que órgãos importantes para a gestão macroeconômica foram entregues “a representantes de determinados grupos dominantes”, numa clara referência a pessoas ligadas ao governo de Fernando Henrique que hoje estão em postos chave da equipe econômica, como o secretário-executivo Murilo Portugal e o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.
Segundo eles, as políticas macroeconômicas e medidas tributárias e previdenciárias adotadas pelo governo consolidam um modelo “marcado pela crescente vulnerabilidade externa e exclusão social”. O primeiro resultado desse “grave erro estratégico” é que “a realidade brasileira atual distancia-se cada vez mais de um projeto de desenvolvimento com crescente inclusão social”, e apelam ao nacionalismo do vice-presidente defendendo um modelo apoiado “em bases nacionais”.
As propostas que vão levar ao vice-presidente misturam medidas de ruptura, como uma auditoria na dívida externa, o que levaria à interrupção dos pagamentos, e controle do fluxo financeiro para impedir evasão de divisas. É exatamente o inverso da política econômica adotada pela Fazenda comandada por Palocci. Evidentemente, a redução das taxas de juros é a primeira das 12 medidas que sugerem.
A “redução significativa da taxa de juro básica (Selic), que remunera os títulos públicos”, seria acompanhada de uma mudança de perspectiva econômica, e a taxa de juro passaria a ser focada “no ajuste das contas públicas”.
Segundo os economistas, a taxa de redesconto deve ser desvinculada da taxa Selic e, assim, “quando houver inflação de demanda, o Banco Central passará a usar ativamente a taxa de redesconto, os depósitos compulsórios e o IOF para regular o crédito”.
Eles defendem ainda a interferência direta do governo no mercado, com uma “política de rendas pactuada”. Quando a economia se aproximar do de pleno emprego, diz o documento, o governo estabeleceria “uma política de rendas pactuada, com vistas a assegurar a continuidade do crescimento com relativa estabilidade de preços”.
Eles defendem também uma renegociação dos contratos das empresas privatizadas, para “promover mudanças imediatas no sistema de reajuste das tarifas de serviços de utilidade pública no sentido de eliminar o atual sistema de indexação”. A redução do spread e dos custos dos serviços prestados pelos bancos seria obtida “por meio da implementação efetiva de medidas de defesa do consumidor e de combate às práticas comerciais restritivas”.
O documento defende a “interrupção da captação de recursos externos pelo setor público, recomposição contínua das reservas internacionais como um aspecto estratégico da gestão macroeconômica” e a reversão da atual liberalização cambial e financeira, “via maior controle da conta financeira e de capitais do balanço de pagamentos, para impedir a evasão de divisas”. Prega a intervenção no mercado cambial para atingir “nível real favorável às exportações e à substituição das importações, e compatível com o equilíbrio dos fluxos de capitais externos”.
Entre as medidas para reduzir a vulnerabilidade externa estão um imposto de exportação sobre commodities, a avaliação custo-benefício social dos projetos de investimento externo direto no país, e o controle dos pagamentos no exterior, com o fortalecimento do sistema nacional de inovações.
Chegam a detalhes como sugerir o cancelamento do programa de Parcerias Público-Privadas para “reverter o processo de desnacionalização dos setores de produtos não comercializáveis internacionalmente de modo a reduzir a rigidez das contas externas do país”.
NOTA:Os estudos da consultoria Macroplan que analisei nas colunas do fim de semana estão no livro “Quatro cenários para o Brasil - 2005-2007” (Ed. Garamond).
O GLOBO
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