Fernando Bezerra, líder do governo no Congresso,recebeu denúncia de uma licitação nos Correios armada por funcionários ligados ao PT e ao PTB
Felipe Patury e Fábio Portela
Jose Paulo Lacerda/AE |
BEZERRA Seu apadrinhado não pôde ser empossado nos Correios. Motivo: isso prejudicaria um esquema milionário |
O senador potiguar Fernando Bezerra, do PTB, é o líder do governo Lula no Congresso Nacional. Há três semanas, ele surpreendeu-se ao ler seu nome na reportagem de VEJA que expôs a corrupção nos Correios. Bezerra aparece como padrinho de Ezequiel Ferreira de Souza, indicado para o cargo de diretor de Tecnologia da empresa. Decidido a provar que nada tem a ver com esse propinoduto, o senador deu um depoimento a VEJA (leia quadro). Nele, Bezerra diz que recebeu uma denúncia de que Ezequiel não foi nomeado para os Correios porque isso atrapalharia uma licitação fraudulenta dirigida por Eduardo Medeiros, atual diretor de Tecnologia da estatal e homem ligado ao PT. O depoimento do senador – líder do governo Lula no Congresso Nacional, enfatize-se – é impressionante. Inclusive porque mostra como são feitas as barganhas entre os partidos para a distribuição de cargos públicos.
Bezerra conta que, há cinco meses, tentou obter uma nomeação de Ezequiel com Silvio Pereira, o Silvinho, secretário-geral do PT, aquele que "uma CPI minimamente competente pegaria", para lembrar as palavras atribuídas ao ministro José Dirceu. Silvinho não tem cargo eletivo, formalmente jamais fez parte do governo, mas por uma dessas misteriosas conveniências petistas foi indicado para negociar com deputados e senadores da base aliada. E o fazia com desenvoltura. Na reunião com Bezerra, Silvinho ficou embaraçado ao saber que o senador ainda não havia conseguido uma boa nomeação para seu apadrinhado, algo que pleiteara antes mesmo de Lula tomar posse. Sugeriu, então, ao senador que tentasse colocá-lo na Diretoria de Tecnologia dos Correios, ocupada por Eduardo Medeiros. O próprio Lula prometeu a Bezerra que faria a mudança, mas Ezequiel bateu na trave. A nomeação empacou quando o senador o apresentou ao ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, que seria seu chefe. O ministro disse que não tinha autorização da Casa Civil para realizar a troca.
EDUARDO MEDEIROS Carta anônima e vídeo com Maurício Marinho envolvem mais um diretor dos Correios |
Dias depois, o senador recebeu uma carta anônima que explicava por que Ezequiel não foi nem seria diretor. A carta dizia que havia uma licitação em curso na Diretoria de Tecnologia dos Correios, no valor de 56 milhões de dólares, para a aquisição de kits de informática que serviriam para expandir o Banco Postal e interligar as agências. Segundo a carta, o diretor de Tecnologia, Eduardo Medeiros, e seu subordinado Edilberto Petry estavam definindo as especificações dos equipamentos sob orientação da Novadata, empresa que pertence a Mauro Dutra, amigo de Lula. Ao entregar a carta a Bezerra, o portador fez questão de afirmar que ela esclarecia o motivo pelo qual Ezequiel não substituiria Medeiros na diretoria dos Correios. Seria muito difícil tirar Medeiros do cargo, disse o portador, porque um lobista influente no Ministério das Comunicações lhe "dá proteção total" – o que também está na carta. De fato, há uma licitação em curso na Diretoria de Tecnologia dos Correios para comprar os tais kits. Seu valor, porém, é menor do que o informado na correspondência anônima. O orçamento inicial para a aquisição dos equipamentos era de 120 milhões de reais, 15% menor do que o que consta na carta. Depois, caiu para 95 milhões de reais.
O funcionário Edilberto Petry (cujo nome está grafado erradamente na carta) é chefe do Departamento de Coordenação de Integração de Projetos. Ele elaborou o edital de licitação, que ainda não foi publicado. Petry informou que o valor do edital caiu de 120 milhões para 95 milhões de reais porque a empresa concluiu que, mesmo depois de escolhido o vencedor da licitação, o antigo valor poderia ser restabelecido por meio de um aditamento. Ou seja, muito perto dos 56 milhões de dólares denunciados pela carta. Petry disse a VEJA que, no ano passado, os Correios enviaram cartas-consulta a nove empresas para fazer uma tomada informal de preços. Procuradas por VEJA, três delas declararam que deixaram de responder à consulta porque simplesmente não vendem os kits de informática. É estranho que os Correios tenham consultado essas empresas. A mancada teria sido fruto de amadorismo ou elas foram chamadas para a licitação apenas para fazer número? Quatro empresas mandaram seus orçamentos. Quem ofereceu o menor preço? Segundo Petry, a Novadata do amigo de Lula. O autor da carta anônima sabia do que estava falando.
Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo |
SILVIO PEREIRA Ele formalmente jamais fez parte do governo, mas era encarregado de negociar cargos com deputados e senadores |
As compras dos equipamentos seriam feitas por outra área dos Correios, o Departamento de Contratação e Administração de Material, chefiado pelo tagarela Maurício Marinho, estrela do vídeo divulgado por VEJA. Marinho não pertence à Diretoria de Tecnologia. Seu chefe é o diretor de Administração, Antonio Osório Batista, do PTB. Mas uma das funções de Marinho era negociar as licitações com Eduardo Medeiros – nesse momento, ao que tudo indica, era que PTB e PT usavam o mesmo CEP. Pelo vídeo, fica claro que Marinho acompanhava cada passo do que acontecia na Diretoria de Tecnologia. Ele faz um relato detalhado do que ocorreu em outra licitação, concluída em setembro do ano passado. O caso é semelhante ao denunciado na carta anônima. Na operação descrita por Marinho, e registrada no vídeo, a Diretoria de Tecnologia decidiu comprar kits de informática para aparelhar a sede dos Correios em Brasília. Marinho afirma que essa concorrência estava dirigida para que a Novadata, sempre ela, ganhasse. "Eles se acertaram com a Tecnologia", diz a seus interlocutores. A Novadata realmente ganhou um dos quatro lotes da concorrência – só não levou todos, segundo o relato, por excesso de ganância. A assessoria de imprensa da empresa de informática afirma que Marinho mentiu na gravação.
Não se pode garantir que a Novadata também venceria na licitação para o Banco Postal e a interligação das agências dos Correios. Afinal de contas, o edital da concorrência ainda não foi publicado. Mas é curioso que na semana passada, em meio à confusão que precedeu a instalação da CPI, Eduardo Medeiros tenha pedido aos departamentos jurídico e de auditoria dos Correios que liberassem o texto do edital para publicação no Diário Oficial. Chegou mesmo a pedir que fossem agilizadas certas etapas formais, para que a licitação saísse com maior rapidez. Por que a pressa, não se sabe. Medeiros se recusou a explicar a VEJA. O processo parou na terça-feira, porque a Controladoria-Geral da União solicitou toda a papelada para uma auditoria. Técnicos dos Correios dizem que investigar uma licitação antes que ela seja concluída é uma atitude, no mínimo, atípica. Os corregedores só se debruçam sobre concorrências quando elas já foram concluídas. Desta vez, encontraram motivos para abrir uma exceção.
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