terça-feira, maio 31, 2005

CLÓVIS ROSSI :Revelou-se?

 SÃO PAULO - Fico imaginando o que frei Betto estava querendo dizer quando escreveu (para a Folha de ontem) que "as pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam".
Será que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está entre os que "se revelaram"? Deve estar, porque frei Betto não faz exceções na sua frase e ainda acrescenta os seguintes comentários sobre o governo de seu amigo e de seu partido:
1 - Critica "um executivo que excluiu do alicerce de sua governabilidade os movimentos sociais, dos quais deveria ser a expressão política, e optou por ampliar a base aliada no Congresso sem indagar dos partidos coligados se há entre eles um projeto comum para o Brasil".
2 - "A Fazenda corta dos ministérios -vide o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a reforma agrária-, mas jamais do Legislativo".
3 - "O PT continuará a ser vítima de seus equívocos enquanto não se adequar, no poder, ao discurso que fazia na oposição. Contar entre seus coligados com o PP e o PTB é favorecer o pragmatismo em detrimento dos princípios. Isso tem preço".
Nada que seja especialmente novo para quem tem olhos de ver. Mas, vindo de quem continua sendo leal amigo do presidente da República, é todo um manifesto, ainda que escrito em linguagem cautelosa.
Escrever que coligar-se com PP e PTB é apenas "favorecer o pragmatismo" é coisa de amigo, não é?
Pobre frei Betto. Agora será acusado pelos petistas hidrófobos de fazer parte da conspiração da elite para desestabilizar o governo Lula, conforme a esdrúxula teoria petista.
Ou de participar da montagem de um esquema para eleger alguém do PSDB/PFL em 2006, como dizem os hidrófobos de todos aqueles que mostram que o PT rifou princípios.
folha de s paulo

Morte e vida Severino

FREI BETTO


As pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam. Severino é um caso raro de quem era antes o que é agora
O deputado Severino Cavalcanti é um homem coerente, sem subterfúgios -caso raro na política brasileira. Prova disso é a sabatina, promovida pela Folha, a que se submeteu. Eleito presidente da Câmara dos Deputados, ele faz o que prometeu enquanto candidato. Aumentou a verba de gabinete dos deputados federais e defende, sem pudor nem constrangimento, o nepotismo. Câmara dos Deputados: empregam-se parentes
Sua Excelência conseguiu o inimaginável: aproveitou-se da perda de identidade do PT, que não sabe como ser partido do governo sem ser correia de transmissão do Planalto, e elegeu-se presidente da Câmara. Filiado ao PP, partido da base governista, Severino padece e reage como se fosse oposição. E leva certa vantagem diante de um Executivo que excluiu do alicerce de sua governabilidade os movimentos sociais, dos quais deveria ser a expressão política, e optou por ampliar a base aliada no Congresso sem indagar dos partidos coligados se há entre eles um projeto comum para o Brasil.
A equação desafia os mais cartesianos matemáticos: PP é governo, mas o governo considera o deputado do PP um estorvo. Tanto que o presidente da República e o ministro-chefe da Casa Civil declararam considerar a eleição dele como a principal derrota do governo e do PT nesses quase dois anos e meio da gestão Lula.
Severino derrotou o governo na medida provisória 232 e, agora, promete repetir a dose em outros projetos que estão na fila. Discípulo da escola malufiana ("estupra, mas não mata"), o presidente da Câmara opina que "estupro é acidente horrendo" -quem sabe por ter visto um homem descuidado tropeçar sobre a mulher com quem cruzou numa esquina...
Severino não veste a carapuça mesmo vaiado por milhares de pessoas no 1º de maio. Transfere o ônus para o Executivo e se agarra ao bônus. A Fazenda corta dos ministérios -vide o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a reforma agrária-, mas jamais do Legislativo. Nós, contribuintes, pagamos a conta, sem que a maioria dos deputados do discurso ético tenha a nobreza de devolver aos cofres públicos as cifras da exorbitância.
Severino é a cara do eleitor brasileiro, que vota pela emoção no que a razão desconhece. Nada a ver com o nosso ínfimo grau de educação formal, comparada a outras nações. Bush filho foi reeleito nos EUA e Tony Blair não teve por que temer as urnas. O mundo é de direita. Troca-se a liberdade pela segurança e, no caso dos pobres, a emancipação pela dependência.
A compra de votos e o jogo de marketing explicam os gastos astronômicos de campanha. E a reforma política, fora maquiagens como a verticalização, fica para as calendas...
As pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam. Como se diz em Minas quando o sujeito enlouquece: "Fulano se manifestou". Severino é um caso raro de quem era antes o que é agora. Casou "mais ou menos virgem" nesse país de mais ou menos corruptos ou mais ou menos éticos, com políticos mais ou menos coerentes de partidos mais ou menos coesos. Total coerência, sem que lhe possa acusar de duas caras ou de ter blefado no palanque ao se aferir o que faz no poder.
Severino é o resultado do nível de consciência política do eleitor brasileiro. E se aproveita do privilégio de ter sobre si o foco da mídia. Não importa que os cartunistas o ridicularizem ou que os comentaristas o desprezem. "Falem mal, mas falem de mim", ele repete diante do espelho todas as manhãs.
Ano que vem haverá eleições. Inclusive para renovar o mandato do deputado federal Severino Cavalcanti. Ele nem precisa se dar ao trabalho de fazer campanha. Já tem régua e compasso e, agora, o caminho ele mesmo traça.
E como diz o presidente Lula, não adianta ter nojo de políticos e da política. Quem tem nojo é governado por quem não tem. O jogo só muda quando houver reforma política e o cidadão deixar de votar por interesses corporativos -do par de sapatos prometido na campanha aos lucros e vantagens de uma empresa ou instituição. No fundo, vota-se em si, e não nos direitos da maioria e na qualidade de vida da população. Assim, dá Severinos, ainda que revestidos de aparente severidade.
O PT continuará a ser vítima de seus equívocos enquanto não se adequar, no poder, ao discurso que fazia na oposição. Contar entre seus coligados com o PP e o PTB é favorecer o pragmatismo em detrimento dos princípios. Isso tem preço.
O lastimável é que o ônus não se restringe à esfera do poder. Recai pesadamente sobre a nação -em especial, sobre os mais pobres. Esses conhecem, na pele e no espírito, o que significa, de fato, a morte e vida severina.


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