sábado, maio 28, 2005

André Petry:É a cara do Brasil


"Marinho é aquele que foi filmado
embolsando uma propinazinha de
3.000 reais – dava para comprar
125 vidros de xampu
e condicionador
iguais aos que Maria tentou furtar"

A empregada doméstica Maria Aparecida de Matos tem 24 anos, dois filhos pequenos e acaba de deixar a prisão, onde passou um ano e sete dias. Ela foi presa em flagrante quando tentava furtar um xampu e um condicionador numa farmácia, em São Paulo. Os produtos custavam 24 reais.

(Enquanto isso... Na época em que Maria tentava furtar cosméticos, o ex-governador de Roraima Neudo Campos foi pego no caso dos gafanhotos, que desviou uns 300 milhões de reais da folha salarial do estado. Campos foi preso, mas ficou só dez dias no xilindró. Solto em 6 de dezembro de 2003, está livre desde então. Livre, leve e solto. E rico.)

Maria é analfabeta, só sabe desenhar o nome. Nunca teve dinheiro para pagar advogado. Depois de presa, foi atendida pela assistência jurídica gratuita e pela advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo, que se revoltou com o absurdo da situação. O primeiro recurso chegou à 2ª Vara Criminal. Solicitava que Maria aguardasse o julgamento em liberdade. A Justiça achou que ela tinha de ficar presa. Ficou.

(Enquanto isso... Jader Barbalho foi acusado de chefiar a máfia da Sudam, que patrocinou roubalheiras de 1,7 bilhão de reais. Foi preso em fevereiro de 2002. Ficou onze horas atrás das grades. Está livre desde então. Hoje é deputado federal pelo Pará. E muito rico.)

Inconformada com a decisão da 2ª Vara Criminal, a defesa de Maria foi à mais alta instância da Justiça paulista, o Tribunal de Justiça. Voltou a pedir que Maria aguardasse o julgamento em liberdade, mas, nesse meio-tempo, aconteceu o julgamento. E Maria foi condenada a um ano de detenção num manicômio penitenciário. Tinha de ficar presa. Ficou.

(Enquanto isso... A máfia dos vampiros, que assaltava o Ministério da Saúde havia treze anos, foi estourada em maio de 2004. A polícia capturou dezessete integrantes do esquema, suspeito de desviar até 2 bilhões de reais. Hoje os dezessete estão soltos. O líder das roubalheiras, Lourenço Peixoto, ficou só 104 dias na cadeia.)

Finalmente, a defesa de Maria recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O recurso não negava o furto, apenas pedia que Maria fosse libertada devido à insignificância do crime, princípio que já tem jurisprudência formada. Um ministro do STJ, Paulo Gallotti, entendeu a inacreditável injustiça que se fazia contra Maria e mandou libertá-la. Depois de um ano e sete dias na cadeia, Maria foi solta na terça-feira passada.

(Enquanto isso... Na mesma terça-feira, o corrupto dos Correios, Maurício Marinho, depôs na polícia. Marinho é aquele que foi filmado embolsando uma propinazinha de 3.000 reais – dava para comprar 125 vidros de xampu e condicionador iguais aos que Maria tentou furtar. Marinho foi indiciado, mas está livre. Saiu do depoimento na polícia e fez um lanche no McDonald's.)

Na prisão, Maria foi torturada. Perdeu a visão do olho direito. Era vaidosa e, segundo o repórter Gilmar Penteado, da Folha de S.Paulo, que a entrevistou, tenta esconder o defeito no rosto quando conversa com alguém. Na terça-feira, quando lhe deram a notícia de que finalmente seria libertada, Maria não acreditou. Achou que fosse brincadeira. "Pensei que jamais iria sair de lá", disse ela.

É a cara do Brasil.
VEJA

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