domingo, abril 24, 2005

Quando as cidades dão certo - JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN



A decadência das grandes cidades brasileiras, São Paulo e Rio em particular, gera uma nostalgia por um passado que muitos vêem como glorioso. Alguns cariocas ainda sonham, 45 anos depois da mudança da capital, com o retorno do governo federal, enquanto paulistas defendem a volta de uma política industrial que assegure a primazia da área metropolitana de São Paulo na produção manufatureira no Brasil.
A crise das grandes cidades brasileiras exige uma política urbana inteligente, e avanços recentes do conhecimento da economia das cidades podem ajudar em sua formulação. Mudanças estruturais nas últimas décadas transformaram a razão econômica para a existência de cidades. No passado, a função econômica primordial de uma cidade era poupar custo de transporte. Uma fábrica localizava-se em São Paulo porque muitos dos seus fornecedores e compradores lá estavam. Assim, uma pequena vantagem inicial de localização em São Paulo foi suficiente para transformar essa área no grande centro da indústria nacional. Esse mesmo mecanismo ajudou a criar em Nova York ou em Paris importantes centros manufatureiros.
A diminuição do custo de transporte de longa distância, assim como o aumento do valor das mercadorias em relação ao peso -compare um chip a um componente mecânico-, diminuiu em muito essa vantagem dos centros industriais urbanos. A abertura das economias reforçou esse processo. O principal fornecedor de uma empresa brasileira pode estar na China ou no México, e o principal comprador, na Argentina ou nos EUA. Nesse caso, a escolha da localização de uma nova fábrica vai ser feita em função do custo da mão-de-obra, da proximidade de um porto ou da localização de algum insumo. Em todo o mundo, a indústria foi descentralizada.
A mudança das indústrias para novas localidades afetou profundamente a estrutura urbana, e nos EUA a decadência das grandes cidades foi vista como um fato consumado. No entanto, a partir da década de 80, viu-se um renascimento surpreendente em alguns centros urbanos, e Nova York, Chicago e Boston são hoje exemplos de grande sucesso. Essas e outras cidades bem-sucedidas se estabeleceram como produtoras de serviços que dependem de um acesso rápido a idéias e tecnologias, o que é mais facilmente obtido em áreas com uma boa densidade populacional. Nova York, por exemplo, é hoje um grande centro das indústrias financeira, médica e educacional. Mas essas cidades tornaram-se também importantes centros de consumo. Nos fins de semana, um estacionamento em Manhattan fica lotado de carros com placas de Connecticut e Nova Jersey. Mais importante ainda é que muitas empresas decidem se instalar em Nova York porque uma força de trabalho cada vez mais afluente quer lá viver para beneficiar-se da ampla oferta de serviços culturais e de diversão.
Em contraste, Detroit, Filadélfia e St. Louis nunca se recuperaram da perda de empregos em suas indústrias tradicionais. A evidência mostra que as cidades que conseguiram superar a crise começaram, em geral, com uma força de trabalho mais educada do que as das cidades que ficaram estagnadas. A fração da população com educação secundária completa parece ter desempenhado um papel particularmente importante na recuperação das grandes cidades. Estudos empíricos apontam pelo menos dois outros fatores que influenciaram positivamente o desempenho das áreas metropolitanas: a redução da criminalidade e a existência de bens culturais -freqüentemente subsidiados pelos governos. Nas cidades mais densas, a diminuição do tempo de transporte também contribui para um maior crescimento econômico.
As áreas metropolitanas no Brasil têm problemas ainda mais graves, entre os quais uma crescente favelização. Se as principais causas desse fenômeno, a pobreza e a desigualdade econômica, só podem ser verdadeiramente atacadas em nível nacional, as autoridades locais podem contribuir para aliviar algumas das suas piores conseqüências por meio de programas de urbanização das favelas, do estabelecimento de direitos de propriedade mais claros para os seus habitantes e de uma política consistente de ocupação do solo. Isso não impede que as prefeituras e os governos estaduais se beneficiem da experiência internacional, que aponta a importância de aumentar o acesso e a qualidade da educação secundária, de criar uma polícia mais eficiente e menos corrupta, de ajudar a gerar e preservar um ambiente cultural dinâmico e de melhorar a estrutura de transporte urbano.

FOLHA DE S.PAULO

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