As estarrecedoras declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, procurando transferir para o cidadão a culpa pelas elevadíssimas taxas de juros que são pagas ao setor bancário, deixaram a impressão de que o primeiro mandatário teria momentaneamente se esquecido de que a política econômica em vigor é de inteira responsabilidade do governo que tem sob seu comando.
Talvez vitimado por alguma sorte de amnésia, também não seria demais lembrá-lo de que é da sua alçada a indicação do presidente do Banco Central, instituição que, sob protestos generalizados, vem praticando uma política de juros asfixiante na tentativa de cumprir metas de inflação irrealistas, fixadas, aliás, com o endosso do Planalto.
Outro aspecto que parece ter escapado ao presidente reside no fato de que a União, ao se dispor a pagar juros exorbitantes por títulos da dívida pública, tem se transformado num dos principais artífices da baixa competição e da limitada oferta de crédito no setor financeiro.
Só pode, portanto, ser recebida como um escárnio a grosseira tentativa de atribuir ao consumidor -"incapaz de levantar o traseiro" na busca de crédito mais barato- uma responsabilidade que é do governo. No discurso do presidente tudo se passa como se a taxa básica de juros não exercesse papel algum sobre a economia, cabendo ao cidadão simplesmente abandonar o "comodismo" e suprir sua "falta de consciência" para encontrar crédito barato.
Diante de tanta impertinência, é conveniente mencionar que a vitória do candidato Lula em 2002 esteve estreitamente associada a expectativas de mudanças na área econômica. Elas não deveriam seguir, obviamente, a senda irresponsável outrora indicada por alguns ilustres "companheiros", mas sim o caminho seguro da valorização do setor produtivo e do emprego em detrimento da folia financista que se instalara entre nós.
Hoje, todavia, mais de dois anos após a posse, o presidente desperta calorosos aplausos dos mercados financeiros e a política econômica de sua equipe, beneficiada por uma conjuntura externa muito favorável, apenas repete, de maneira comodista, os preceitos estabelecidos pela gestão anterior.
Já desabituado a um ritmo vigoroso de crescimento, como experimentou no século passado, o país vai sendo convidado a se conformar com resultados medíocres, alardeados pelas autoridades econômicas como excepcionais, num perigoso processo de auto-engano. Vale lembrar que, de acordo com o FMI, o crescimento do PIB do Brasil em 2004 (5,2%) ficou bem abaixo da média dos países em desenvolvimento (7,2%), perspectiva que está colocada novamente para 2005 (o Fundo projeta expansão de 3,7% para o Brasil e de 6,3% para o mundo em desenvolvimento).
É fato, no que tange aos juros cobrados em alguns segmentos, que houve iniciativas importantes da atual administração. Alguns esforços têm sido feitos no sentido de favorecer o acesso ao crédito de setores de baixa renda e é notório o êxito dos empréstimos pessoais garantidos pela folha salarial.
Nada disso, porém, substitui a urgente necessidade de o país -a exemplo do que conseguiu fazer na década passada para suplantar a inflação- perseguir soluções estruturais para eliminar essa gritante anomalia que são as taxas de juros praticadas em nossa economia.
FOLHA DE S.PAULO EDITORIAIS
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