A discussão sobre a questão dos juros no Brasil está em uma fase perigosa. A entrada em cena do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, não pode ser desprezada pelo analista mais cuidadoso. Esse senhor já mostrou uma independência e uma visão das responsabilidades de seu cargo que podem credenciá-lo como um catalisador da oposição, até agora pulverizada, à política de juros do Banco Central. Sua proposta de ampliar a composição do Copom é muito preocupante e precisa ser levada em conta.
A política de juros do Banco Central tem sofrido, ao longo dos últimos anos, uma série de críticas de parte de analistas econômicos, lideranças do setor industrial e políticos. Embora por motivações e argumentos diferentes, o sentido comum dessas manifestações é que alguma coisa está errada com a ação do Banco Central. Não é possível que uma economia como a brasileira funcione adequadamente, com juros reais que se mantêm acima de 12% ao ano, desde o início do Plano Real.
Esse é um sinal claro de que é preciso uma discussão séria e sem preconceitos sobre a política monetária em vigor. Se o argumento puramente econômico não for suficiente para o leitor, apelo para o fato de ser o Brasil um caso único entre todas as economias de mercado do mundo. Não existe, no mundo desenvolvido ou entre as nações emergentes, um aleijão como esse. Só esse fato deveria ser suficiente para que houvesse, em nosso país, uma reflexão abrangente e serena sobre esse tema.
Mas isso não ocorre. Qualquer tentativa de levar adiante uma crítica da política monetária é recebida com pedras e acusações de defesa da volta da inflação. Sob a pecha de desenvolvimentistas, são jogados no mesmo cesto de irresponsabilidade economistas com profundo senso da necessidade do equilíbrio macroeconômico e outros sem compromisso com uma ortodoxia inteligente. Com isso, não se evolui, pois poucos se arriscam a enfrentar esse verdadeiro corredor polonês na imprensa.
Lembro-me de que, em 2000, durante encontro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em Fortaleza, fiz uma apresentação sobre as falhas que via no sistema de metas de inflação, em vigor no Brasil, e apontei problemas que seriam enfrentados no futuro. Mas vivíamos, então, a euforia trazida pelo controle da crise cambial de janeiro de 1999, e tais críticas foram jogadas na lata do lixo. Ainda procuro o texto dessa minha intervenção para poder publicá-lo, mas garanto ao leitor da Folha que ele está atualíssimo. A maioria dos problemas de hoje estava perfeitamente identificada no texto.
Como não conseguimos fazer uma crítica ao sistema atualmente em vigor dentro de um ambiente de racionalidade econômica, corremos o risco de fazê-lo sob o domínio da demagogia e da ignorância. O governo Lula não tem mais o escudo protetor que o cercava desde sua eleição, em 2002. As dificuldades começam a pesar na avaliação do governo, e um certo clima de revolta já pode ser identificado na imprensa, na opinião pública e nos meios políticos.
A reação contra a MP 232 mostrou que a equipe econômica não tem mais o poder de impor, sem limites, suas decisões. Nesse ambiente, um ataque organizado e com coragem contra o Copom pode prosperar e criar um clima de insegurança entre os agentes econômicos. A história nos mostra exemplos freqüentes de situações como essa. Não enfrentar a tempo questões de relevância para a sociedade, utilizando-se de instrumentos que cerceiam o debate, pode desaguar em situações críticas.
Não adianta, agora, chorar sobre o leite derramado. Creio que todos os que queremos preservar a racionalidade de nossas instituições devamos cerrar fileiras contra esse movimento do deputado Severino Cavalcanti e do vice-presidente da República. Transformar o Copom em um órgão colegiado da sociedade seria um erro de grandes proporções, como, aliás, já ocorreu com o CMN (Conselho Monetário Nacional), na época dos militares e do governo Sarney.
FOLHA DE S.PAULO
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