domingo, maio 01, 2005

Miriam Leitão:Salto ornamental

O Brasil exportou 25% mais no primeiro trimestre comparado ao mesmo período do ano passado; 14% foi aumento de volume exportado. Difícil dizer como o Brasil consegue aumentar o volume de mercadorias transportadas no país com a péssima situação das estradas, a ineficiência dos portos ou como consegue vender mais com o dólar tão fraco, que teve em abril a maior queda em dois anos.
Mas o fato é que, contrariando previsões dos analistas e a reclamação dos empresários, o Brasil vende mais, por meio de mais empresas, a preços mais altos, para um número maior de países. Os dados de exportação são todos superlativos. A exportação de manufaturados, por exemplo, aumentou 37,4%; em volume, o aumento foi de 23%.


Vários setores estão dizendo que, agora, o preço baixo do dólar está começando a afetar os negócios, mas isso não chegou ainda aos números do comércio exterior. Os exportadores começam a negociar com seus compradores um aumento de preços dos produtos para compensar o câmbio. O problema é que, quando as vendas são para outros mercados que não os Estados Unidos, o cliente normalmente argumenta que a moeda dele também se desvalorizou. O que os exportadores respondem é que no Brasil desvalorizou mais. A conta do último bimestre continua pondo o Brasil como o país onde o dólar mais se desvalorizou. O que acontece aqui é, em grande parte, explicado pelos juros altos.

O câmbio estava há um ano em R$ 3. Agora tem oscilado em torno de R$ 2,50. Algumas análises dos bancos e consultorias dizem que a moeda americana deve continuar nesse patamar por meses e que o Banco Central só voltará a comprar para elevar a cotação se cair muito abaixo dos R$ 2,50. É engraçado lembrar, a essa altura, aquelas declarações de pessoas do próprio governo, que diziam que não seria possível manter as exportações com dólar abaixo de R$ 3.

O sucesso das exportações contraria o senso comum. Por exemplo: a seca no Sul foi violenta — e pode ter reduzido em doze milhões de toneladas a safra de grãos do país. Isso deveria, portanto, provocar uma queda das exportações. O país, de fato, vai exportar menos, mas a um preço maior.

A quebra de safra adiou o encontro do Brasil com o colapso logístico. No ano passado, a redução da safra de soja pela ferrugem asiática evitou a situação temida de ter produto e não ter como transportar. Este ano, isso foi de novo adiado pela seca. O país fica numa situação esquisita em que um problema adia outro, mas não há nada a comemorar aqui.

O governo tem creditado a si os excelentes números da exportação; imerecidamente. Quem exporta é exportador. O que o governo precisaria fazer, de realmente decisivo, seria permitir o investimento nos portos e nas estradas. Ele não faz, nem deixa fazer.

O Espírito Santo esperou dois anos por um investimento no Porto de Vitória que vai aumentar a dragagem. Era obra pequena, mas fundamental num porto importante do estado. A Vale do Rio Doce financiaria. O governo estadual pediu para fazer, mas o governo federal garantiu que havia dinheiro no orçamento. O dinheiro não saiu no ano passado. Agora a promessa da obra foi refeita.

Santa Catarina pediu de volta as estradas federais que começam e terminam no estado. Os empresários catarinenses desenvolveram novos formatos de concessão e financiamento das obras em estradas. Mas o governo federal pediu para analisar e até agora não deu resposta.

O governo Lula garantiu ao país que desenvolveria uma nova forma de concessão de obras e serviços públicos, diferentemente das combatidas privatizações. O resultado é que, no terceiro ano do governo, ainda não há qualquer PPP aprovada, não foi feita nenhuma concessão em qualquer modelo e os investimentos públicos em infra-estrutura caíram ainda mais; isso comparados com o governo Fernando Henrique, quando os investimentos já haviam sido baixíssimos.

O que aconteceu desde a flutuação do câmbio foi extraordinário em termos de aumento do saldo comercial. Em 98, o país teve um déficit comercial de US$ 8,6 bilhões. Nos anos seguintes, zerou o déficit. Depois que foi para o positivo, o superávit saiu de US$ 2,6 bilhões em 2001 para US$ 13 bilhões em 2002, US$ 24,8 bilhões em 2003 e US$ 33,6 bilhões no ano passado. Em 2005, a previsão média tem aumentado semanalmente, aproximando-se de US$ 35 bilhões, e o Banco Bradesco, que tem um amplo sistema de consulta aos maiores exportadores do país, reviu para US$ 37,9 bilhões. Os saltos têm sido dados com aumento de exportação e de importação. No primeiro trimestre deste ano, as compras de produtos externos já aumentaram 21,2% em relação ao mesmo período do ano passado; 10% de aumento de volume. O aumento da quantidade de compras externas em bens de capital chega a 25% neste primeiro trimestre e em bens de consumo duráveis houve um crescimento de 27%.

Um país com mudanças tão drásticas de desempenho da balança comercial e de volumes de comércio deveria estar investindo pesadamente em portos, rodovias e ferrovias para aumentar as facilidades de transporte e embarque das mercadorias. Como nada disso foi feito, pode-se temer o pior para os próximos anos. A menos que o governo saia da paralisia decisória em que, inexplicavelmente, permanece.

O GLOBO

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