Nas metrópoles brasileiras estão explicitados os efeitos mais preocupantes do modelo de desenvolvimento instaurado no Brasil desde os anos 30: crescimento econômico, manutenção de altas taxas de carência urbana, desigualdades sociais e segregação residencial. O país mais se desruralizou do que se urbanizou. Essa pode ser considerada uma síntese do trabalho do Observatório das Metrópoles do Instituto de Planejamento Urbano da UFRJ, coordenado pelo professor Luiz César de Queiroz Ribeiro.
Concordando com a tese do sociólogo francês Alain Touraine, exposta aqui na coluna de quarta-feira passada, de que os grandes desafios de países urbanos como o Brasil estão nas metrópoles, o professor Queiroz Ribeiro fez, no início do mês, uma palestra para técnicos do Ministério das Cidades, chamando a atenção para a "crescente centralidade da questão metropolitana no Brasil e a imperiosa necessidade de uma reforma social concentrada pelo menos nas principais áreas metropolitanas".
Ele ressalta que "as metrópoles brasileiras estão concentrando hoje a questão social, cujo lado mais evidente e dramático é a exacerbação da violência". Os dados sobre a criminalidade violenta, que levaram o historiador Luiz Mir a cunhar a expressão "metrópoles da morte", são impressionantes: a taxa de homicídios dobrou em vinte anos; a taxa de mortalidade por homicídios aumentou 130% (de 11,7 para 27 por 100 mil habitantes) entre 1980 e 2000; entre 1991 e 2000 aumentaram em 95% as taxas de mortalidade por homicídios com o uso de armas de fogo, entre homens de 15 a 24 anos.
As regiões metropolitanas se multiplicam no território nacional, mas não temos uma política metropolitana, ressalta Queiroz Ribeiro. O conjunto metropolitano concentra hoje 453 municípios, onde vivem um pouco mais de 70 milhões de habitantes. Um conjunto diversificado, que tem de um lado, São Paulo e Rio de Janeiro com densidades demográficas de 2.220 e 1.899 habitantes por quilômetro quadrado, respectivamente, e de outro, Tubarão e Carbonífera em Santa Catarina com apenas 19,54 e 87,7 habitantes por quilômetro quadrado.
Nas 11 das principais metrópoles estão concentradas 78% da população moradora em favelas e o déficit habitacional acumulado é de cerca de 2,2 milhões de moradias. O estudo constata "fortes tendências" ao aumento do que chamam de "segregação residencial", através da expulsão das camadas populares e de segmentos das camadas médias inferiores dos bairros mais centrais, mais bem dotados de bem-estar social, para as favelas e periferias metropolitanas. Segundo Queiroz Ribeiro, "o mercado de moradia no Brasil é estreito e se limita ao segmento de luxo".
Nos últimos anos, 71% das unidades residenciais lançadas no mercado imobiliário do Rio de Janeiro foram destinadas aos que têm renda anual superior a R$ 150 mil. A chamada "segregação residencial" provoca outro tipo de problema, lembra o professor Queiroz Ribeiro: a exclusão do acesso às oportunidades de trabalho, renda e escolaridade.
As enormes distâncias que separam as áreas centrais das metrópoles dos longínquos bairros periféricos, associadas à decomposição dos sistemas de transportes, têm gerado, segundo o estudo da UFRJ, tendência ao isolamento dos trabalhadores mais fragilizados no mercado de trabalho, "justamente aqueles que buscam a ocupação nos serviços pessoais de baixa qualificação e mais atingidos pela perda da renda".
Segundo os estudos, nos últimos nove anos, nada menos de 26% dos brasileiros que hoje têm renda familiar abaixo de R$ 500 "trocaram o ônibus pelo par de tênis. Outros 13%, pela bicicleta". Outros estudos têm estimado que se os trabalhadores utilizassem de maneira produtiva o tempo gasto em transporte, isso significaria um aumento em um ano de cerca de R$ 55 bilhões na renda do trabalho (em valores de março de 2004) no conjunto das metrópoles.
Rio de Janeiro e São Paulo, onde as distâncias dos bairros periféricos são maiores, seriam os mais beneficiados. O aumento da eficiência da circulação nas metrópoles poderia ter um impacto muito positivo na diminuição da pobreza, com repercussões adicionais no aumento da produtividade da economia, ressalta o estudo do Observatório das Cidades da UFRJ.
O professor Queiroz Ribeiro destaca que o modelo de organização social do território também produz efeitos regressivos na renda. No Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, estima-se que os trabalhadores moradores nas favelas com baixa escolaridade (até quatro anos de estudo) obtêm, respectivamente, uma renda cerca de 14%, 19% e 21% inferior àquela obtida pelos trabalhadores em igual condição social, mas moradores em bairros não considerados como favelas.
Essa segregação se reflete também nas possibilidades de as crianças e jovens aproveitarem as oportunidades de escolarização. Nas metrópoles do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, observou-se que crianças de 8 a 15 anos de idade integrantes de famílias com baixo clima escolar (até cinco a nove anos de média de estudos dos adultos e dos maiores de 15 anos) apresentam significativas diferenças de atraso escolar se moram em bairros que concentram fortemente segmentos sociais de baixa escolaridade e renda.
Segundo o professor Queiroz Ribeiro, "nas metrópoles brasileiras enfrentamos a face mais aguda dos desafios de uma sociedade que consolida a democracia e homogeneíza seus valores e crenças republicanas, mas, ao mesmo tempo, mantém e aumenta as desigualdades sociais".
O GLOBO
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