À medida que vai ficando mais clara a sucessão de eventos que resultou na deposição do presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, mais difícil se torna deixar de qualificá-la como um golpe de Estado. É verdade que a destituição se deu num contexto de protestos populares generalizados. Mas vão se avolumando indícios de que houve uma conspiração palaciana que foi tão ou mais decisiva do que as manifestações para a derrubada do mandatário.
Golpe ou não, o destino de Gutiérrez já parece selado. É importante, porém, estabelecer se houve ou não um complô para definir a legitimidade do autoproclamado novo governo. Desde 2001, a OEA (Organização do Estados Americanos) adota a cláusula democrática, que permite ações contra países nos quais tenha havido ruptura institucional.
E seria muito difícil atribuir apenas aos protestos a queda de Gutiérrez. A sessão do Congresso que decretou vacante o cargo de presidente está repleta de irregularidades. Nem mesmo houve discussões antes de os deputados decidirem pela deposição do líder. Ato contínuo, o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas anunciou que os militares "retiravam" o apoio ao presidente, o que a Constituição caracteriza como traição. Poucas horas depois, o procurador-geral emitia uma ordem de prisão contra Gutiérrez, o que é muito estranho, pois o presidente não estava sob nenhum tipo de investigação.
A comunidade de Estados até pode aceitar os novos líderes como um fato consumado, mas deve exigir a realização imediata de eleições livres.
Quanto ao asilo para Gutiérrez, não há dúvida de que o Brasil deve oferecê-lo. A concessão de asilo é uma das dez diretrizes que, segundo a Constituição (art. 4º, X), devem orientar a política externa brasileira. Há ainda justificativa humanitária para o gesto brasileiro. O princípio, porém, não é absoluto. O país não precisaria receber um tirano que tenha cometido crimes contra seu povo, como Saddam Hussein. Esse, porém, está longe de ser o caso do ex-presidente equatoriano, cujo maior crime parece ser o populismo agravado pela inabilidade política.
Há situações em que até asilar ditadores se justifica. Pode ser uma forma de desanuviar o ambiente no país amigo, criando condições nas quais a democracia possa prosperar. Não é por outra razão que o Brasil até hoje hospeda o paraguaio Alfredo Stroessner (1954-89).
FOLHA DE S PAULO EDITORIAIS
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