domingo, abril 24, 2005

Fora de propósito




Diante de uma platéia de sindicalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma voltar aos tempos dos discursos improvisados e flamejantes de porta de fábrica, em época de dissídio coletivo. Só esse vezo psicológico explicaria a sua declaração de que a Alca não está mais nos planos da nossa diplomacia. Por quais razões estratégicas o Brasil tiraria agora da pauta de sua política externa a criação de uma área de livre comércio continental?

Pode ser que o anúncio presidencial represente uma tática de negociador e não uma drástica mudança política. Mesmo assim, a tática é ruim, e a diplomacia não menos. Não se deve esquecer que o Brasil é co-presidente das negociações, ao lado — de quem? — dos Estados Unidos. Nem que os entendimentos sequer foram retomados depois da reeleição do presidente George W. Bush.

Endurecer é boa idéia quando do outro lado da mesa está um negociador firme e competente. Não quer dizer, entretanto, que seja sempre oportuno, principalmente quando existem canais adequados onde o governo brasileiro pode exibir a sua valentia.

Não custa recapitular o que está em jogo. Abandonar a idéia da Alca sem antes explorar todas as possibilidades de acordo é um equívoco. Em primeiro lugar, porque interessa aos latino-americanos em geral ampliar o projeto de um mercado comum que está na raiz da criação do Mercosul. Em segundo lugar, porque os EUA são um mercado indispensável para produtos brasileiros, de importância menor apenas que a União Européia.

É má política sacrificar deliberadamente um desses mercados vitais, quando é possível preservar os dois e exportar para ambos. Às vezes é mais difícil lidar com os europeus do que com os americanos. A agricultura européia é sabidamente tão ou mais subsidiada quanto a dos EUA. Com a adesão de países do Leste, dependentes ao extremo de subsídios agrícolas, a tendência é piorar.

Por último, se o Palácio do Planalto optar por uma política isolacionista os EUA agradecem, pois não é segredo para ninguém que a Casa Branca está buscando acordos bilaterais na América Latina — justamente para isolar, e enfraquecer, o Brasil nas barganhas da diplomacia comercial.

O GLOBO OPINIÃO

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