Treinado, contido, vigilante e sem assumir posição sobre nenhum tema polêmico, o presidente Luiz Inácio da Silva deu ontem sua primeira entrevista coletiva vestido no figurino pré-moldado por Duda Mendonça para ganhar a eleição 2002. Tudo indica será essa também a farda da tentativa de reeleição em 2006.
Entrou de novo em cena o 'Lulinha paz e amor', que não ataca adversários, não usa o passado para acusar, chama a todos de "querido e querida", muda o rumo da conversa quando o assunto não lhe convém e, principalmente, não se desvia um centímetro do campo das generalidades; fica em cima do muro onde o terreno é mais seguro.
Bastante diferente do presidente que há dois anos e quatro meses todos os dias tem algo a ensinar, um pensamento a transmitir.
Sob a ótica da Secretaria de Imprensa da Presidência, a experiência resultou positiva. A pauta, econômica, não poderia ter sido melhor pois representativa da parte mais sensata e eficaz do Governo; a reverência e, em alguns momentos, franca amabilidade dos entrevistadores não criaram ambiente para cobranças mais fortes; o formato rígido sem direito a réplica por parte dos jornalistas afastou a possibilidade de confronto de informações.
Além disso, o presidente estava irrepreensível no quesito contenção verbal. E fiscalização mental também.
Pelo menos uma vez, Lula vislumbrou a gafe ao longe e fugiu dela. Foi na segunda pergunta, sobre um possível aumento de salários para os militares. O presidente começou solto, querendo dar lições de sindicalista: "O trabalhador tem que brigar sempre, até porque o aumento só vale no primeiro mês". Avançou e teria escorregado na frase "dificilmente uma categoria que deixa acumular perdas...", se não percebesse a tempo que caminhava para atribuir aos militares seus salários baixos.
Parou por aí, deu uma volta até São Bernardo do Campo – "comecei minha carreira...." –, retornou elogiando o trabalho social das Forças Armadas e terminou reeditando a promessa de carinho feita na semana passada.
Não houve outro momento de risco. Mas também não houve momento algum em que se pudesse saber exatamente o que pensava o presidente a respeito de coisa alguma.
Por exemplo, sobre autonomia do Banco Central. É contra ou a favor? "Vamos deixar o Congresso e os especialistas discutirem, e se ficar demonstrado que isso pode servir para baixar os juros, não serei louco de não fazer".
Ou seja, depende.
Sobre as mudanças ocorridas entre o discurso antigo do opositor e a prática atual do governante, simplesmente derivou a resposta para o ponto que lhe interessava: ressaltar o "rompimento amigável" do Governo com o FMI. Esperava-se alguma autocrítica.
Estados Unidos e Venezuela?
Lula é a favor da "paz e da harmonia" entre os povos americanos, e não vê "possibilidade de conflito entre os dois países". O cenário é de acirramento, e mereceria uma opinião mais realista sem precisar ser imprudente.
As acusações contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência, Romero Jucá, levaram o presidente a repetir o mantra da presunção da inocência adotado quando o presumido é aliado, mas flexibilizado quando atinge o adversário.
No que tange à segurança pública, tema tratado como prioridade nos primeiros discursos de Lula depois da posse, ficamos sabendo o seguinte: o presidente defende um "esforço conjunto" de municípios, estados e União para o combate ao crime "que hoje é organizado e sofisticado" e requer "inteligência". Não se trata, segundo ele, "de pegar o ladrão como se fazia antigamente".
Quanto aos erros, Lula foi instado a citar três. Admitiu falha na infra-estrutura, reconheceu que os juros precisam de tratamento diferente e surpreendeu ao incluir a eleição de Severino Cavalcanti na lista minutos depois de ter dito que a presidência da Câmara não era assunto a ser tratado pelo Executivo. "Sorte dele que ganhou, azar de quem perdeu", disse.
Como a economia dominou, todo o resto ficou de lado: a imensa embrulhada política que atrapalha a campanha da reeleição, os evidentes e assumidos problemas de gestão, a multiplicidade de interlocutores oficiais na política externa, a relação promíscua com os partidos aliados, o fisiologismo adotado como norma de conduta.
Nada se falou a respeito das mudanças ministeriais consideradas até outro dia urgentes e repentinamente suspensas, nem um pio sobre o aumento de gastos no Palácio, nenhuma referência às brigas internas do PT, zero interesse a respeito da bandeira que, em 2006, substituirá o estandarte da esperança usado em 2002.
A avaliação sobre a primeira entrevista do presidente, portanto, não cabe numa resposta única. Para dentro do Palácio do Planalto, foi muito boa – tão boa que não justificou o atraso na realização nem a resistência do presidente em incorporar a prática às tarefas inerentes ao mandato.
Para fora, o evento de ontem não influiu nem contribuiu. Lula reafirmou os preceitos da política econômica e a confiança no ministro da Fazenda, como faz diariamente.
Valeu como teste, mas conviria na próxima – se houver – Luiz Inácio da Silva apresentar-se mais próximo ao figurino do presidente e menos ao molde do candidato, se quiser sustentar a tese de que a campanha eleitoral ainda não começou.
Erro
O DIA
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