quarta-feira, abril 27, 2005

Dora Kramer:Borbulhas internacionais

A visita da secretária de Estado dos EUA ao Brasil é importante? Sem dúvida. A viagem do ministro José Dirceu à Venezuela no exato momento em que Condoleezza Rice chega, trazendo Hugo Chávez como um dos assuntos em pauta, é fundamental? Depende para que e para quem.

O resgate cinematográfico do presidente deposto do Equador, Lucio Gutiérrez, era um imperativo? No conteúdo, sim; a respeito da forma, há controvérsia.

A declaração do presidente Luiz Inácio da Silva jactando-se da retirada da Alca "da agenda" e posterior remendo de seus assessores, explicando que a referência foi à "agenda da imprensa" e não do Governo eram necessários? Absolutamente dispensáveis.

O vexame da candidatura do embaixador Seixas Corrêa à direção-geral da Organização Mundial de Comércio, natimorta graças à síndrome pueril do voluntarismo recém-adquirida pelo Itamaraty, faz parte do cenário estratégico do programa de consolidação das ações externas como o melhor do Governo Lula? Queira a reputação dos estrategistas que não.

A convocação do presidente Lula ao empresariado em favor de "um pacto de brasilidade" para defender o Brasil dos ataques de "muita gente que está de orelha em pé contra o País" nos termos das disputas entre clubes de futebol – "é como Flamengo e Vasco, é como Corinthians e Palmeiras, pisa na canela mesmo" – será atendida pelo setor? Provavelmente entrará por um ouvido e sairá de imediato pelo outro.

A trindade composta pelo embaixador Celso Amorim, o assessor Marco Aurélio Garcia e o ministro José Dirceu, formando uma espécie de conselho de chancelaria, melhora o exercício das relações exteriores brasileiras? Obviamente, não.

A menos que a intenção seja, como parece ser o mais novo projeto de marketing governamental em curso, chamar a atenção para ações no plano externo a fim de desviar o foco da inação no âmbito interno.

Como factóide passageiro, pode até funcionar, mas como peça de propaganda não convence o consumidor, pois não há agenda positiva que sustente um produto quando ele é ruim ou não interessa ao público.

O dinamismo internacional em questão tem tudo para se enquadrar em ambos os quesitos. Produz pouca coisa além da desqualificação paulatina do Itamaraty como órgão de Estado e não mobiliza o cidadão nem o aproxima do Governo.

Lição de anatomia

Muito mais efeito que qualquer ato produzido com o intuito de fazer o brasileiro olhar para fora tem um discurso do presidente da República eleito como fiador da esperança nacional, mandando a classe média "se virar".

Em última análise, foi exatamente o que disse Lula ao atribuir os juros altos ao comodismo do brasileiro, tomando, assim, a iniciativa de reduzir a zero o caráter positivo da solenidade de lançamento de um programa de microcrédito concebido para agradar à população.

O presidente – talvez convencido por suas próprias palavras de dias atrás, segundo as quais não pensa agora em eleições, pois precisa de tempo para dedicar-se à política externa – achou por bem agredir. As pessoas e os fatos.

Generalizou caricaturando o "brasileiro" como o sujeito que à noite toma chope reclamando da vida – no caso, dos juros –, mas, no dia seguinte, "é incapaz de levantar o traseiro e ir ao banco fazer uma transferência de sua conta para um banco mais barato".

Levantasse o presidente, não a peça anatômica por ele citada, mas os olhos em direção ao que se passa à sua volta, tomaria conhecimento de que o sugerido périplo-cidadão renderia resultados apenas se o sistema bancário funcionasse realmente sob regras da livre concorrência.

Na atual conjuntura em que eles funcionam em regime de oligopólio, a busca não produziria grande coisa, dada a inexistência de grandes diferenças entre uma e outra instituição.

Levantasse o presidente, não da cadeira pertencente ao referido comodista, mas do berço esplêndido onde pelo visto não lhe chegam informações, saberia que há um projeto no Congresso que submete os bancos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), cujo relator é um correligionário, o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF).

Levantasse o presidente do ambiente fantasioso do Palácio, não com a celeridade do dia seguinte cobrada por ele das pessoas sem "consciência" que pagam 8% de juros ao mês, mas com a prudência conveniente a um mandatário, perceberia como soam constrangedoras suas palavras diante da política econômica que mantém a taxa base de juros em 19,5%.

Sugeriria o presidente da República que, ante essa realidade, os bancos, as administradoras de cartões de crédito cobrassem quanto?

A não ser que Lula tenha tido a intenção de insinuar o abandono das contas correntes e dos cartões de crédito, a fim de a sociedade denotar protesto e mobilização.

Mas não foi isso o que o presidente quis dizer, pois ontem inverteu o discurso: apregoou o consumo vasto como sinal de vigor a despeito dos juros e jactou-se de distribuir "capital" ao povo, através de acesso ao crédito. E também ao endividamento, faltou completar.
O DIA



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