terça-feira, abril 26, 2005

AUGUSTO NUNES O pêndulo que oscila sobre nós

Pobre América do Sul. Até a metade do século passado, o subcontinente foi um viveiro de tiranos, produzidos em quartéis ou mansões. Fardados ou à paisana, o essencial era garantir o apoio das Forças Armadas, a amizade gulosa dos plutocratas e o amparo dos Estados Unidos. Os muito hábeis conseguiram por algum tempo até a simpatia popular.

Enquanto construíam a própria fortuna com roubalheiras e negociatas, zelavam pela prosperidade das elites, escavando abismos já monstruosos entre classes sociais. Sintomas de descontentamento eram extirpados em sangrentos torneios de brutalidade.

Quando conveniências da corte assim recomendavam, promovia-se a troca do nº 1. E tudo continuava como sempre fora.

Nas últimas cinco décadas, essa saga incomparável passou a obedecer a movimentos pendulares. Nos anos 50, o pêndulo inclinou-se em favor da civilização, e a democracia engatinhou em terras que costumavam tratar como penduricalhos dispensáveis instituições como o Legislativo e o Judiciário. O horizonte foi escurecido pelo movimento seguinte: chegara o tempo das ditaduras sem camuflagens.

Nas décadas de 60 e 70, a liberdade teve as asas amputadas no Chile, no Brasil, na Argentina, no Uruguai. Nas cercanias, golpes de Estado continuaram incorporados à rotina nacional. Só nos anos 90 o pêndulo se moveu para longe da barbárie. Aquilo nunca mais ocorreria, celebraram os muito otimistas. Tomara. Por ora, é apenas um desejo dos homens de bem.

Fosse qual fosse a posição do pêndulo, duas marcas congênitas permaneceram visíveis no rosto da América do Sul. A primeira é a anemia das instituições democráticas, mãe da instabilidade política. A segunda é o mito do homem providencial, que o destino escolheu para retomar a cruzada de antigos heróis e acabar com sofrimentos ancestrais. O Uruguai espera a reencarnação de Artigas. A Argentina aguarda a volta de um San Martín do Terceiro Milênio. Nações mais ao norte sonham com o regresso de Bolivar.

Não existem homens providenciais: definitivamente, é o povo que traça seu caminho. Mas não é simples revogar crendices seculares. E não faltam candidatos ao papel de Salvador da Pátria, como informa a mais recente inclinação do pêndulo. Na Venezuela, o histriônico Hugo Chávez, cada vez mais atrevido, hoje é um ícone da jurássica esquerda que fala espanhol (e português). Pode acabar reprisando, com voltagens ainda mais inquietantes, o drama que alcançou Lucio Gutiérrez, a contrafação equatoriana de Chávez.

Ambos golpistas de carteirinha, descobriram que poderiam chegar à Presidência da República berrando propostas "revolucionárias". A um e outro sempre faltaram idéias, competência, sinceridade e escrúpulos. O Equador descobriu primeiro.

A queda de Gutiérrez foi outro atentado à democracia. E foi muito mais que isso. Permitiu vislumbrar o que pode ocorrer num país latino-americano exposto ao desgoverno. Destituído o titular, assumiu um vice incapaz de dar cumprimento às antiquíssimas normas que regem o asilo político. O embaixador brasileiro e diplomatas designados para o Equador foram cercados e agredidos pela multidão enfurecida. Para levar Gutiérrez a Brasília, tiveram de planejar uma fuga na madrugada. O avião decolou furtivamente, como quem abandona o campo de batalha.

Escancarou-se o raquitismo de entidades supostamente preparadas para intervir em situações de tamanha gravidade. A ONU deixou o caso por conta da Organização dos Estados Americanos (OEA). A OEA agendou uma reunião. O Brasil resolveu sair na frente. Ampliou a coleção de trapalhadas, como será demonstrado na próxima coluna.
JB

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