sábado, abril 30, 2005

André Petry:Os corruptos de fé?


"A mistura de política com religião não costuma dar boa coisa, mas nada é comparável ao desastre que se produz quando a mistura é entre política e fanatismo religioso. O exemplo emblemático está na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, onde, entre seus setenta deputados, pelo menos 25 se assumem publicamente como evangélicos. No primeiro movimento da mistura indigesta, a maioria dos deputados, entre eles os evangélicos, resolveu inocentar um colega, o evangélico Alessandro Calazans, que foi pilhado pedindo propina quando presidia uma CPI. Seu achaque está gravado em fita cassete, foi didaticamente publicado por VEJA, mas, mesmo assim, seus colegas resolveram poupá-lo. Agora, num segundo movimento, os deputados do Rio devem votar, até 10 de maio, um código de ética da Assembléia Legislativa. Dizem que o código criará regras duras para a cassação do mandato de deputados que quebrem o decoro parlamentar – a mesmíssima violação cometida por Calazans.

Não é piada. É deboche mesmo.

O que será que leva os deputados do Rio de Janeiro, ou pelo menos um bom punhado deles, a achar que nós todos formamos uma imensa platéia de patetas? Que somos todos babacas e estamos prontos para acreditar em qualquer teatro? O que será que os leva a achar que o mal-estar deixado pela decisão de inocentar Calazans será agora neutralizado pela criação do código de ética? O que os leva a pensar que podem, num dia, livrar despudoradamente a cara de um deputado e, no dia seguinte, agir como se fossem a vanguarda da ética? É óbvio que há outros fatores para explicar tal comportamento, mas um deles sem dúvida está num certo fundamentalismo evangélico. Ou seja: um certo sentimento de fé comum que, na Assembléia do Rio, tem levado um deputado evangélico a sempre apoiar outro deputado evangélico, ainda que com flagrante prejuízo da ética.

É o mesmo sentimento que, nas últimas eleições no Rio de Janeiro, mas não apenas no Rio, tem levado um eleitor evangélico a quase sempre votar num candidato evangélico – ainda que, de novo, isso implique o massacre da ética.

Para pressionar por sua absolvição, o que fez o deputado Alessandro Calazans, que pertence à Igreja Internacional da Graça de Deus? Encheu as galerias com irmãos crentes... E quem fez questão de defendê-lo em plenário? Vários deputados: um era da Igreja Universal do Reino de Deus, outro era da Maranata, um terceiro era da Presbiteriana... Não se está aqui dizendo, ou insinuando, que os evangélicos sejam corrompidos ou que sejam mais corrompidos que católicos ou budistas. O que se está dizendo é que, na Assembléia do Rio, a identificação evangélica entre os deputados está sendo radicalizada, como se a irmandade na fé estivesse acima de qualquer outro valor, e essa identificação é usada para legitimar uma aliança a serviço da corrupção e da falta de ética.

É por isso que eles, em nome da fé, acham que podem debochar de nós. De todos nós, inclusive dos evangélicos honestos.
VEJA

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