Concretizadas as mudanças no Ministério tal como auxiliares e aliados do presidente da República informavam que seriam feitas, com certeza absoluta teria sido muito pior.
O noticiário das novidades dividiria espaço com questionamentos sobre os critérios adotados para as escolhas e com o revirar das vidas pregressas nem sempre abonadoras de alguns dos escolhidos.
Isso para não falar na altíssima possibilidade de o deputado Severino Cavalcanti desconectar-se de vez da realidade e perder-se em seus delírios de poder ante a prova de que, junto com a presidência da Câmara, conquistara também a chefia da Nação, quiçá do universo.
Isso não significa, porém, que o acerto da emenda tenha conferido virtuose ao soneto. Este ainda é uma obra em aberto e, tomando por base a avaliação do próprio Governo, de má qualidade.
Conforme tese difundida intensamente nos últimos meses por auxiliares e aliados do presidente da República, reformar o Ministério era preciso para atender à necessidade de produzir resultados eficazes na administração e na política, com vistas a fortalecer o Governo na disputa eleitoral de 2006.
Pois bem, a suspensão da reforma não atendeu a nenhuma das duas premências. Só não se poder dizer que as coisas voltaram à estaca zero, porque o cenário piorou bem desde o início desse debate, lá se vão cinco meses.
Entronizou-se um desenfreado na presidência da Câmara, instituiu-se o salve-se-quem-puder na base parlamentar governista, inaugurou-se o sistema da fritura ministerial participativa e instalou-se a desmoralização coletiva na qual todos, governo e oposição, expuseram sem resquício de constrangimento as respectivas torpezas d’alma à depreciação pública.
Tudo isso continua em pleno vigor e, se não se pode atribuir responsabilidade exclusiva ao presidente da República, muito menos é justo fazer de Severino Cavalcanti a razão de todas as mazelas. Até por ausência de estofo para ser causa, Severino é mera conseqüência.
A atual oposição, auto-referenciada como responsável, altiva e diferente de seus antecessores no posto, em determinado momento viu-se no direito de abster-se de freios e arriscar graçolas que, de engraçadas, só tem mesmo a falta de jeito para as artes da imitação.
Mas a ela sempre se pode conceder o beneplácito da escolha de se comportar bem ou mal, pois não recebeu da maioria a delegação para comandar o processo seja ele político ou administrativo.
Daí a cobrança inevitavelmente recair sobre quem foi escolhido para decidir e conduzir. E é desta tarefa que o Governo, na figura do presidente Luiz Inácio da Silva, abriu mão de se encarregar no tocante à chamada reforma ministerial.
O desfecho não precisaria ter sido a suspensão da reforma, se desde o início o presidente da República tivesse o comando dos acontecimentos, a começar pela clareza do objetivo. Por razões que ninguém sabe ao certo quais são tantas as versões disseminadas, Lula deixou as rédeas das mudanças à deriva, passando de mão em mão até que alguns aventureiros delas lançaram mão e impuseram a ele uma rendição.
Pela negativa, mas uma rendição na medida em que não pôde fazer aquilo que seus auxiliares e aliados, sem serem desautorizados, alegavam ser imprescindível fazer. Ou seja, o Governo desistiu, pelo menos temporariamente, de investir num projeto concebido por ele mesmo como de melhoria administrativa e política.
O fato de ter vencido uma queda de braço com o presidente da Câmara não desobriga o presidente da República de se empenho na batalha pelo ganho de eficácia governamental. Ao contrário.
Sendo ele o mandatário, o dono da delegação popular majoritária no plano nacional, tem necessariamente a obrigação de comandar as grandes questões sabendo contornar suas dificuldades, neutralizando democrática, legal e politicamente os adversários e não se deixando paralisar por eles ou reagindo com emocionalismo – tanto faz se de natureza terna ou raivosa – aos obstáculos.
Em favor do presidente apresentam-se agora alguns argumentos de que ele mesmo jamais disse ao País se faria, como faria ou quando faria as mudanças no ministério.
Mas seus auxiliares e aliados o fizeram por ele e, ainda que tenham inventado tudo, mereceriam ao menos reprimenda por terem exposto àquele a quem devem por dever de ofício preservar.
Um exemplo: o afilhado do presidente da Câmara, dizia-se, estava praticamente nomeado ministro e perdeu o posto por causa da impertinência do padrinho.
A ser real a versão, se Severino não tivesse extrapolado o rapaz seria hoje titular de uma pasta por escolha explícita dele e não do presidente da República, já que as pressões anteriores não mereceram um paradeiro, foram absorvidas como naturais.
Ou não: será que o acesso de Severino Cavalcanti foi um ato de desespero ante a evidência do fracasso?
Pois esse tipo de dúvida não surgiria nem prosperariam determinadas performances informativas caso o presidente da República tomasse por hábito estabelecer um diálogo mais sério, transparente e consistente com a sociedade em substituição aos discursos altissonantes, cujos conteúdos, por vagos, acabam dirigidos a todo mundo e ninguém.
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