23.03.2005 | Não é possível que o núcleo sensato do governo despertado pelo choque da realidade não esteja alarmado, com os nervos em pandarecos, na iminência de um surto de pânico diante da evidência, que entra pelos olhos, de que o presidente Lula perdeu o comando da emperrada máquina administrativa, permitiu que a sua natural liderança sobre a maioria parlamentar virasse fumaça com a eleição do deputado Severino Cavalcanti para presidente da Câmara e deixou escapar o momento de reformar o ministério, com alguma vantagem política – sua única preocupação séria e da corriola que o cerca.
Com o desinteresse pelos enfadonhos assuntos administrativos e horror ao papelório dos processos, Lula não perde o seu precioso tempo: enche o vazio fazendo o que gosta que é viajar, juntar povo nas inaugurações de qualquer coisa para os dois ou três improvisos diários que coçam a língua e arranham o gogó.
Reconheça-se que tem as suas razões e a experiência como o maior líder do movimento sindicalista do país. As pesquisas carimbam a sua astúcia com os altos índices de aprovação popular, a base para a sonhada reeleição em 2006.
Acontece que enquanto acaricia o seu eleitorado de fé, o governo desanda e a oportunidade de reverter o quadro altamente preocupante escorre pelos dedos como água por bica aberta.
O exemplo mais recente é da novela interminável da reforma ministerial. Mal colocada desde o início: Lula não conseguiu explicar para quê faria mudanças no seu aleijão de 35 ministros e secretários: uma trombada no bom senso, na experiência secular e nas boas normas de gerenciamento. Como jamais cogitou de enxugar o cortiço armado na Esplanada dos Ministérios, a especulação e a evidência deixaram à mostra, pelos rombos do fundilho roto, que tudo quando pretende é atrair aliados para recompor a base de apoio parlamentar e armar o palanque para a campanha do próximo ano.
Em qualquer caso, a troca de ministros deve ser operada no menor prazo, articulada em surdina e anunciada de uma vez, criando o fato consumado.
Nunca se assistiu a tão longa gestação. Há cinco meses, desde outubro, que o próprio presidente a qualquer pretexto ou sem pretexto algum e os seus ministros e assessores palacianos repisam a lengalenga que os acertos do governo serão anunciados no momento certo e que não há pressa.
Como não há pressa? O resultado da indecisão crônica do presidente que não sabe o que quer é a bagunça que implodiu o Congresso, elegeu o presidente Severino e atingiu o seu comando. Com a revolta do baixo clero, que passou a dominar o plenário da Câmara, a orgia das mordomias, do nepotismo e da irresponsabilidade na farra da aprovação de medidas demagógicas, com o aumento de milhões nos gastos públicos, ameaça inviabilizar o governo.
O descalabro furou o teto do respeito ao presidente Lula, com a bravata do desafio público do deputado Severino, exigindo a nomeação do seu cupincha, deputado Ciro Nogueira, para o ambicionado Ministério das Comunicações, de fartas verbas e infinitas possibilidades de nomear os que ainda estão no sereno.
Remendo que beira o ridículo, no encontro noturno de Lula e Severino, colou desmentidos e explicações, com o recuo do presidente da Câmara.
Mas, a tática única, exclusiva, obsessiva de adiar a solução dos problemas, de deixar para amanhã a decisão, de empurrar com o abdome as dificuldades, deixa manchas roxas nas pelancas oficiais. E causa mais desgaste do que as cutucadas da oposição.
O governo precisa levar a sério as suas obrigações. E decidir, correndo os riscos inerentes às suas responsabilidades. O balanço das suas omissões é assustador. Da reforma ministerial que não é reforma, mas pífia arrumação eleitoral, à calamidade da derrota na eleição da Mesa da Câmara, com as conseqüências sabidas e as que estão anunciadas, como a insensatez da criação de dez novos estados, com o atrativo do aumento do número de deputados federais e estaduais e de centenas de vereadores. E que dificilmente será impedida com a frouxidão do governo.
No caldo das contradições, no clima de intrigas e desavenças em que se afoga, o PT purga a desagregação crescente, com todas as probabilidades de a dissidência da esquerda ampliar o racha, embaraçando a reeleição de Lula.
Quem não faz a hora é porque não sabe dar corda no relógio.
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