terça-feira, março 01, 2005

Jornal O Globo - Miriam Leitão Perder ano bom



A crise produzida pela declaração desastrada do presidente da República é mais um esforço do governo na mesma direção: perder o que poderia ser o melhor ano do governo Lula. Na economia, os vários pontos positivos se somam a uma conjuntura internacional de crescimento. Aqui dentro, o fato de ser um ano sem eleição poderia ser aproveitado, se houvesse boa coordenação política, para a aprovação de projetos que melhorem o ambiente de negócios.

No mercado de trabalho, o problema mais grave, urgente e assustador, é a informalidade. Ela subtrai recursos dos cofres do Estado e, na maioria das vezes, aumenta a insegurança do trabalhador, além de criar uma bomba-relógio para a Previdência. É claro que o mais importante é começar a encontrar nova organização do trabalho que traga as empresas para o mercado formal em contratos de trabalho mais leves, mas com garantias para o trabalhador.

O governo perdeu dois anos ouvindo apenas os grandes sindicatos que representam os trabalhadores que já têm garantias e já estão no mercado formal. A outra metade, a metade pobre dos trabalhadores, ficou fora da mesa que concluiu que o mais importante era, claro, fortalecer ainda mais os sindicatos fortes.

A proposta que foi divulgada mostra, de novo, a presença de um elemento que está no DNA do atual governo: o gosto pelo estatismo. Agora, os sindicatos precisarão de autorização do governo para existir. A idéia original era boa: acabar com os sindicatos de papel que vivem do imposto sindical que dá lucros extraordinários a seus dirigentes. A realização é que falhou.

O país vai perder o ano discutindo como fortalecer os sindicatos que já são fortes e enriquecer as ricas centrais sindicais. Os trabalhadores informais continuarão na informalidade.

Na educação, há um interminável dever de casa a fazer, continuando o esforço do governo passado de pôr toda criança na escola. Agora era a hora de melhorar a qualidade da escola, ter um projeto para o ensino médio, aumentar a taxa de escolarização do pré-escolar, lutar contra a evasão dos adolescentes. Mas o governo, que em dois anos teve dois ministros da Educação, ainda não tem uma prioridade clara. E, neste momento, está dedicando todos os seus esforços por uma reforma universitária confusa e intervencionista.

A reforma propõe aumentar a fatia das universidades do bolo federal que vai para a Educação de 70% para 75% e pretende encurralar as fundações, as quais têm sido bem-sucedidas em captar recursos no setor privado que acabam melhorando os cursos como um todo, inclusive os gratuitos. O que o governo está propondo ao país é que haja mais dinheiro público e menos captação junto ao setor privado para as universidades federais.

Isso está longe de ser o único erro da reforma. Ao rebater as críticas sobre os conselhos sociais que, segundo diversos críticos, tirarão poderes do empreendedor para entregá-los a interesses corporativos e a militantes, o governo tem dito que eles não terão poder. Ora, se não terão poder, por que existem? Se não terão poder, por que o MEC levará em consideração a opinião desses conselhos para avaliar a instituição de ensino? A melhoria da qualidade de ensino nas instituições privadas se consegue com um sistema de avaliação objetivo, eficiente e transparente e com boa fiscalização por parte da autoridade competente, no caso, o Ministério da Educação. Transferir essa atribuição para uma mal definida “comunidade” só produz mais ruído no ensino superior. O pior é a sensação de que o debate sobre educação deixou de ser pedagógico para ser ideológico.

A reforma tributária não foi feita e o governo parece repetir o que houve de pior no governo anterior: aumentar os impostos e eleger uma vítima preferencial do Leão. A vítima agora é o prestador de serviço que, segundo falou no Rio na sexta-feira o ministro José Dirceu, “não paga imposto”. Deve achar que não são impostos Imposto de Renda, Contribuição Social sobre Lucro Líquido, Cofins, PIS, ISS, Contribuição Previdenciária, CPMF e as inesgotáveis taxas.

Há muito o que fazer, o que votar no Congresso, o que negociar com os partidos e os entes federados. Há muito o que melhorar a gestão em cada órgão público, na comunicação entre os órgãos e na escolha de prioridades. E esse poderia ser o ano de aumento da velocidade decisória. Na opinião do presidente Lula, no terceiro ano é que, de fato, o governo começa.

O risco de destemperos como o de quinta-feira no Espírito Santo é o de perder esse melhor ano. A estratégia do governo, quando está no córner, é culpar a oposição ou negar esclarecimentos à nação. Quando perdeu na mesa da Câmara dos Deputados, por absoluta incapacidade de articulação política dentro do partido e dentro da coalizão, culpou a oposição que não lhe deu os votos prometidos. Quando foi criticado por ter permitido o uso de avião da FAB e a estrutura oficial nas férias para os amigos dos filhos do presidente, em vez de dar a explicação que o país merecia, o governo determinou que ninguém falasse sobre o assunto porque uma hora a imprensa se cansaria. Agora quer usar um misto das duas estratégias: a acusação de que a oposição quer radicalizar e antecipar o debate sucessório e o silêncio sobre o ponto central do debate: o de que o presidente, espontaneamente, afirmou ao país que foi informado por um alto funcionário de que havia corrupção no governo anterior e mandou o tal funcionário “fechar a boca”.

Assim é que se perde um ano bom. Ano não só de crescer, mas de plantar o crescimento futuro. A melhor forma de perder o ano é escolher prioridades erradas, entrar em brigas políticas gratuitas e gastar as melhores energias para a disputa da nova eleição, que ocorrerá apenas daqui a 20 meses.

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