quarta-feira, março 30, 2005
Folha de S.Paulo - Paulo Rabello de Castro: A (im)previdência social brasileira - 30/03/2005
O recente anúncio de déficit recorde, de R$ 38 bilhões, no resultado previsto do INSS em 2005, feito pelo novo ministro-gerente à testa do setor, senador Romero Jucá, que chegou anunciando novos cortes e ajustes de cálculo de benefícios, oferece-nos uma medida do desafio de consertar o sistema de seguridade pública, se é que conserto ainda existe. O tamanho do déficit, o discurso do ministro e a crescente desconfiança dos participantes do sistema previdenciário contrastam vivamente com as iniciativas precedentes. Há dez anos (1995), o governo FHC encaminhava, com toda pompa, ao Congresso Nacional, seu projeto de reforma previdenciária. A grande proposta reformista bateu na trave. Não ia ao âmago dos desequilíbrios e, depois de torpedeada por todos os lados, acabou se tornando o primeiro dos remendos que vieram em seguida: apenas mais um mecanismo legal de amputação de benefícios, muitos deles, de fato, aberrantes, como as aposentadorias precoces "por tempo de serviço", e outros, nem tanto. Depois, veio o chamado fator previdenciário, novo método de acesso às aposentadorias, que retardou a precocidade na concessão do benefício, em 1999. Em 2003, nova reforma, desta vez na previdência dos regimes especiais, dos servidores públicos.
Um elo une e relaciona cada uma dessas "reformas". Esse elo, comum a todas as tentativas, é o da provisoriedade e da precariedade, a mãe bicéfala da descrença do participante da Previdência Social. Previdência imprevidente é o que temos no Brasil. Imprevidente porque não enxerga um palmo à frente do próprio nariz. Se enxergasse, não haveria dificuldade de prever o desastre que o saudoso Francisco Oliveira, o "Chico Previdência", vivia prognosticando em qualquer seminário ou painel sobre o tema da Previdência no Brasil.
Em 1982, portanto há quase um quarto de século, pedi a Chico que aprontasse um documento propositivo sobre aquilo que chamamos de "tríplice renegociação da dívida brasileira", a externa, a interna e a social. Chico trataria dessa última, propondo equacionamento dos problemas do então INPS e dos regimes especiais, o que ele concluiu prontamente com a extraordinária clareza dos seus diagnósticos demográfico, social, contributivo e redistributivo de ambos os regimes previdenciários. Óbvio que nossa proposta, primeiro encaminhada ao confuso governo de João Figueiredo, não deu em nada. O quadro previdenciário complexo e difícil de 1982 foi acentuado pelo viés assistencialista da Carta de 88, que inseriu benefícios aos milhões, sem contribuição prévia, confundindo assim Previdência com assistência social.
Nem por isso deixamos de trabalhar duro, com alguns esforços coletivos feitos, entre outros, por grupos de trabalho na Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), na Fiesp, no Instituto Atlântico, esses sob a liderança de Eduardo Mascarenhas, cuja morte prematura possa, talvez, ser também atribuída a seu total desapontamento com a insensibilidade do Brasil oficial à questão previdenciária. Por isso, quem quer que acompanha, há várias décadas, a degradação do conceito de Previdência no Brasil ganha o direito de espumar de indignação com mais um pacote de ocasião sobre tema que mexe com a vida (e a morte) de tantos milhões de brasileiros.
A ausência de um plano atuarial previdenciário é tão evidente quanto chocante. De um governo de trabalhadores se esperaria atenção e estudos muito mais pormenorizados, pois a Previdência bem organizada está na base de qualquer crescimento sustentado no capitalismo moderno.
A propósito, nem mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal foi cumprida nesse particular, pois previa a organização de um fundo previdenciário, até hoje letra morta.
O país caminha mansamente para o maior engodo de todos os tempos: o pecúlio previdenciário nas mãos do poder público. Esse quadro patibular não é, aliás, privilégio do Brasil. Até o insensível Bush está querendo reformar a Previdência americana, que projeta problemas a partir de 2037. Aqui, não precisamos projetar nada. A corda já está no nosso pescoço.
Urge uma lei de responsabilidade previdenciária, proposta -quem sabe- capaz de lançar alguma luz num tema tão candente quanto obscuro.
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