PARIS. Em uma era crescentemente dominada por migrações e comunicação instantânea entre os países, a questão da identidade nacional está em debate, e em Davos o tema foi discutido sob vários aspectos, desde o multiculturalismo até mesmo a discussão, curiosamente atual no Brasil, sobre se o monopólio do idioma inglês pode vir a ser quebrado nas relações internacionais. Apesar da maior integração do mundo atual, a assimilação de culturas diferentes nunca vai tão longe quanto teoricamente se prevê.
Jagdish Bhagwati, professor da Universidade de Columbia, em Nova York, diz que, hoje em dia, o fato de um imigrante querer preservar sua própria cultura já é mais bem aceito. Apesar de reações como a do professor Samuel Huntington, que atualmente está em uma cruzada contra os hispânicos nos Estados Unidos que querem manter sua cultura, acusando-os de usufruírem do “american way of life” sem se integrarem à cultura americana.
A circulação de pessoas pelo mundo, especialmente depois da União Européia, é cada vez maior, o que facilita a conservação de culturas originais, mas paradoxalmente as barreiras de segurança atrapalham essa circulação, que deveria ser mais livre. Por outro lado, essa mistura de culturas estaria gerando o surgimento de uma “cultura internacional”, na qual se misturariam várias culturas diferentes.
Dentro desse debate, foi organizada uma mesa-redonda para discutir o predomínio da língua inglesa no mundo atual, sob o título geral “Pode o monopólio da língua inglesa ser quebrado?”. Para pesar da atual gestão do Itamaraty, que decidiu que saber inglês não é condição fundamental para alguém ser aceito na carreira diplomática, o consenso foi de que por muito tempo o inglês será a língua dos negócios e da diplomacia internacionais.
O mesmo Itamaraty que, ao levar ao pé da letra o auto-elogio do governo que se quer “republicano”, retira de suas salas retratos e bustos de antigos diplomatas e autoridades do Império, e até mesmo de Dom Pedro II. Diz-se que alguns permanecerão em Brasília em salas secundárias, e outros virão para o Rio. Um dos retratos que saiu é o do chamado Dandi (Amaro Guedes Pinto, pintado por Antônio Manuel da Fonseca, pintor do Rei de Portugal em 1830), que trabalhava na legação junto à Santa Sé, retratado em uniforme de botões dourados com as iniciais P II, sob a coroa imperial.
À propósito, diplomatas estão lembrando passagem da vida de Machado de Assis, quando, proclamada a República, quiseram retirar da sua repartição o retrato do Imperador. Machado retrucou: “O retrato do imperador entrou aqui por decreto, e só sai por decreto.” No caso do Itamaraty, os retratos saíram sem decreto, mas o inglês deixou de ser eliminatório no exame do Instituto Rio Branco por decreto do chanceler Celso Amorim.
Em Davos, a importância crescente do inglês foi analisada, especialmente depois que a globalização abriu os mercados mundiais e criou novas oportunidades para empresas, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Nesse mundo crescentemente interligado, a habilidade de se comunicar superando a barreira da linguagem ficou mais importante do que nunca. Houve um consenso de que, no presente momento, o inglês é o que há de mais próximo de uma língua global dos negócios.
De acordo com levantamentos do British Council, a estimativa é de que mais de um bilhão de pessoas estão aprendendo inglês pelo mundo, 375 milhões têm o inglês como língua nativa, e 750 milhões de pessoas já falam inglês como segunda língua. Segundo os especialistas, o domínio do inglês é baseado em inúmeros fatores, a começar pela importância histórica, em termos econômicos, dos países de língua inglesa, primeiro o Império Britânico, depois os Estados Unidos e sua influência econômica no mundo.
Os comentaristas também consideraram que o inglês se mantém como o idioma dominante no mundo dos negócios porque responde rapidamente às forças do mercado, é maleável a adaptações e mudanças. Algumas nações são mais protetoras de seus idiomas, algumas até aprovaram leis insistindo para que em certas situações, especialmente em negócios, a língua nativa seja protegida, como quer no Brasil o projeto do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo.
Aqui na França, por exemplo, os anúncios, quando escritos em inglês, têm obrigatoriamente que conter a tradução para o francês, mesmo que em tipo menor. Alguns países — como a própria França, a Alemanha e a Espanha — têm academias e institutos bastante influentes para preservar e regular as normas gramaticais.
Com o avanço da globalização e a redução do predomínio das economias ocidentais — os países asiáticos, especialmente a China, estão surgindo como futuras potências emergentes — alguns comentaristas acham que a prevalência da língua inglesa poderá decair, embora uma piada indique que existem mais pessoas na China aprendendo a falar inglês do que nos Estados Unidos.
O inglês não é o idioma mais falado no mundo, cabendo esse título ao mandarim, que é o primeiro idioma de 800 milhões de pessoas, sendo que outras 200 milhões o falam. Porém, mesmo com a possibilidade de que a China supere os Estados Unidos como potência econômica, é pouco provável que o mandarim vire o idioma internacional dos negócios.
Mesmo agora, o governo chinês está tomando providências para que o inglês seja ensinado para todos os alunos, à exemplo do que já faz o Chile e do que está prometendo fazer o provável futuro primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, do Partido Socialista.
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