Começo do futuro
Poderia ser um dia luminoso o de hoje. Dia em que o mundo seria racional e cooperativo. O Protocolo de Kyoto é um daqueles momentos, como o da queda do Muro de Berlim, em que a inteligência supera a insensatez habitual. Já que as emissões de gases tóxicos são o veneno depositado no ar que respiramos, todos vamos recuar juntos, devagar, para níveis cada vez mais toleráveis de emissão. A idéia era esta, mas a festa não é completa por vários motivos: perdeu-se tempo demais, o esforço não conta com a colaboração do sujão-mor, as metas vão só até 2012, a destruição se acelerou neste meio tempo e os muitos interesses econômicos paralisam pontos importantes. Quanto ao Brasil, a esperança de que um outro meio ambiente era possível foi derrubada diante dos últimos dados de desmatamento.
Apesar disso, o novo tratado é comemorado.
— É o primeiro acordo multilateral sem a presença dos EUA. Mesmo assim, a Europa adotou os princípios e estabeleceu metas. Vários estados americanos estão adotando limites de emissão, como a Califórnia. Hoje, em Londres e em Chicago está em funcionamento um mercado de créditos de carbono — diz Israel Klabin, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável.
O crédito de carbono foi a forma de transformar o bom propósito em commodity. A empresa poluidora pode adotar novas tecnologias que reduzam a poluição ou, então, comprar a redução de um projeto certificado como ambientalmente limpo.
O mundo começou a sonhar com o dia de hoje em 1992 no nosso Rio da degradada Baía de Guanabara, mas as idéias só foram para o papel em Kyoto. Lá, as negociações avançaram e agora, com a adesão da Rússia, entram em vigor. Mas o mundo está perdido em velhos debates.
Um deles, comandado pelo Brasil. O governo rejeita qualquer compromisso internacional de deter o desmatamento convencido de que o “estoque” de problemas foi provocado pelo mundo industrializado. Foi mesmo. E Kioto consagra o princípio ao dividir o mundo em dois grupos: os que desde a revolução industrial emitem gases do efeito estufa e, por isso, têm metas de redução a cumprir e os outros. Mas o problema também é de fluxo: o ritmo de destruição da Amazônia está tão acelerado que é hoje responsável por 2/3 da emissão brasileira. E o país já é o 6 maior emissor. Em 2004, pode ter batido o recorde de desmatamento: 25 mil km² num só ano.
O Brasil teme que limites externos possam impedir o desenvolvimento do país. O economista Carlos Eduardo Young, da UFRJ, garante que é falso o conflito entre crescimento e meio ambiente:
— Às vezes, não crescer degrada o meio ambiente. Depende do modelo de desenvolvimento que o país adote.
Young vê defeitos em Kioto, mas admite que é um começo. Acha que a forma de contabilizar as emissões não ajuda a evitar o desmatamento. Apesar de as queimadas da Amazônia serem fontes de emissão, protegê-la não gera crédito. O próprio Brasil ajudou a produzir este resultado na negociação quando recusou metas para o controle do desmatamento.
— O governo brasileiro nunca lutou para que os esforços para evitar o desmatamento gerassem crédito de carbono — diz Young.
A nova era de responsabilidade ecológica faz outra separação de países: entre sensatos e insensatos. Num texto recente, o cientista-político Eduardo Viola mostrou como alguns países têm se esforçado e outros não: EUA deveriam estar reduzindo até 2010 as emissões para um nível 7% menor que o de 1990; está 14% mais alto. Canadá deveria reduzir 6%, e está 17% mais alto. Inglaterra deveria estar 12% mais baixo e já reduziu em 15% a emissão. Alemanha deveria reduzir em 21% e já conquistou 17% de redução. Japão deveria estar 6% mais baixo, está 4% mais alto.
— A Europa está na frente. O presidente Jacques Chirac disse que o mundo deveria impor uma redução não de 5%, mas de 50% até 2050, mas avisou que é preciso incluir Brasil, Índia e China. Qualquer ampliação dos compromissos terá metas para o Brasil — conta Walfredo Schindler, da FBDS.
— Algumas empresas européias estão com um programa importante de redução de emissões, como British Petroleum e Du Pont. Começa a aparecer uma nova atitude em relação ao meio ambiente. Agora se sabe que o mundo não vai continuar nos fornecendo o que sempre nos forneceu: ar puro, água limpa, alimentos — afirma Fernando Almeida, do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável.
Brasil está junto com México, China, Índia, África do Sul, Indonésia, Malásia, Coréia do Sul e Tailândia entre os que não aceitam limites e compromissos. Sempre na idéia de que os maiores sujaram mais, portanto que se preocupem com a limpeza.
Se tiver um olhar mais amplo, o Brasil poderá ver o ponto onde Kioto encontra a missionária Dorothy Stang. A análise da Organização Internacional do Trabalho mostra que desmatamento caminha junto com o trabalho escravo.
— No mapa, vê-se que os dois estão juntos. Os trabalhadores tratados como escravos são os que vão desmatar ou limpar o terreno depois das queimadas — diz Patrícia Audi, coordenadora do combate ao trabalho escravo da OIT no Brasil.
O ponto de encontro entre os dois é uma parte da tragédia nacional. Portanto é pelo Brasil que o Brasil deveria assumir compromissos de deter os desmatadores.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:13 AM
|
By ArchIvo A NOITE DO BAIXO CLERO
A Câmara dos Deputados impôs uma fragorosa derrota ao governo Luiz Inácio Lula da Silva ao eleger para a presidência da Mesa Diretora da Casa o deputado Severino Cavalcanti, do Partido Popular, cujas chances pareciam remotas diante do embate entre o candidato oficial do Palácio do Planalto, Luiz Eduardo Greenhalgh, e seu rival, o também petista Virgílio Guimarães. Uma mescla de erros de coordenação, fisiologismo e sentimento de revanche contribuiu para o resultado que, embora legítimo, selou o triunfo de um candidato sem estatura política, retrógrado e inexpressivo, que se especializou em negociações menores no dia-a-dia da vida parlamentar. A representatividade do eleito está enraizada no chamado "baixo clero", a massa de deputados alijada dos principais grupos decisórios e cujos interesses quase sempre se resumem a verbas e benefícios pessoais. Foi prometendo aumentos de salário, automóveis e atenção aos pleitos paroquiais desse agrupamento difuso que Cavalcanti projetou sua candidatura. Os compromissos corporativos e fisiológicos não bastam, entretanto, para explicar o fracasso do Planalto. Ele deveu-se em muito a equívocos na articulação política e expressou um descontentamento mais amplo, que já se havia materializado nas próprias fileiras do PT, sob a forma de uma postulação dissidente. Há no meio parlamentar a percepção de que o núcleo governista é arrogante e autoritário, excessivamente centrado em São Paulo e muito pouco confiável quando se trata de cumprir acordos e contemplar os aliados. A insatisfação com esse quadro fomentou um movimento de "vingança" amplificado pela conveniência de contrastar o Planalto no início do período político em que todos os movimentos já são feitos sob o signo das eleições de 2006. Não há dúvida de que o cenário passou a ser bem menos favorável ao governo, que terá de se defrontar com problemas internos e precisará renovar os esforços para recompor sua cada vez mais confusa e frágil base de apoio no Congresso. A escolha de Calvalcanti, todavia, não deverá se traduzir numa presidência oposicionista. O novo comandante da Casa é uma espécie de governista nato. Sua atuação poderá criar problemas localizados, mas dificilmente irá gerar confrontos com o Planalto, que conta, de resto, com todos os instrumentos -a começar pela caneta- para tentar garantir a fidelidade da presidência da Câmara. Do ponto de vista do sistema político, a vitória de um candidato com as características de Cavalcanti foi um retrocesso. Ela evidencia que o amadurecimento institucional do Legislativo está muito aquém dos padrões desejáveis. Quanto a isso, foi igualmente ilustrativo o deplorável espetáculo de filiações e desfiliações de última hora, tanto no PMDB como no PT, com vistas à escolha de líderes das bancadas e de membros das diversas comissões da Casa. Tudo somado, o que aconteceu na noite de segunda e na madrugada de ontem ficará como um dos episódios mais vexatórios dos partidos políticos e do Legislativo brasileiros.
RISCO NO COPOM
Hoje o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne para decidir qual será a taxa básica de juros que irá vigorar na economia brasileira nas próximas quatro semanas. Até há pouco, era praticamente consensual a avaliação de que o Copom optaria por elevar novamente em meio ponto percentual a taxa Selic, que passaria de 18,25% para 18,75% ao ano. Nos últimos dias, no entanto, alguns analistas começaram a aventar a possibilidade de um aumento ainda maior, de 0,75 ponto percentual. É compreensível que tenham surgido apostas numa elevação mais agressiva da taxa de juros, pois, embora a cotação do dólar continue em clara tendência de queda, as expectativas de inflação não cedem. Segundo o mais recente levantamento do Banco Central (BC), em média bancos e consultorias estimam que o IPCA, índice que baliza a política de metas de inflação, terá elevação de 5,75% ao longo de 2005. Em meados de janeiro, antes de o Copom ter determinado a elevação da taxa de juros básica de 17,75% para 18,25% ao ano, as expectativas apontavam para 5,72%. O objetivo do BC, vale lembrar, é limitar a alta do IPCA neste ano a 5,1%. Contribui para que as expectativas não caiam o fato de que nas mais recentes apurações a inflação continua em ritmo incompatível com o cumprimento do objetivo do BC. Esse comportamento da inflação reforça dois argumentos. Um deles é o de que, em, razão da rigidez de muitos preços, o impacto do câmbio sobre a inflação é assimétrico: a pressão inflacionária criada por uma elevação da cotação doméstica do dólar seria proporcionalmente bem mais expressiva do que o alívio inflacionário propiciado por um recuo da taxa de câmbio. Daí o fato de que a queda do dólar, embora rápida, não venha se mostrando capaz de reduzir as expectativas de inflação. O outro argumento parte da constatação de que, a despeito do aumento dos juros básicos, o crédito segue em expansão. Atribui-se essa circunstância ao aumento expressivo da confiança dos consumidores e dos ofertantes de crédito, o que estaria reduzindo a efetividade das seguidas altas da taxa básica de juros como instrumento para arrefecer a demanda e, por essa via, a inflação. Essas constatações têm ensejado proposições opostas. Para alguns, o problema está na dosagem insuficiente do aumento de juros. Uma elevação maior, talvez bem maior, estaria se mostrando necessária para conter a demanda a ponto de permitir o cumprimento do objetivo de inflação fixado pelo BC. Pode-se, todavia, propor o contrário: que o problema está na excessiva ambição antiinflacionária do BC. Em nome dessa obsessão, praticam-se juros exageradamente altos, que sacrificam de modo desnecessário a atividade econômica e contribuem para uma valorização do real que já atinge nível e duração preocupantes sob a ótica das contas externas. Não se pode descartar que o BC dê ouvidos aos que advogam um recrudescimento do aperto monetário. Uma decisão nesse sentido seria um novo golpe contra o setor produtivo -no que está se tornando um hábito da política monetária.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:10 AM
|
By ArchIvo CLÓVIS ROSSI
A esbórnia assumida
SÃO PAULO - Chocado com a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara? Pense positivo. Na prática, os deputados apenas tiraram a fantasia de defensores do povo e da pátria e assumiram: querem o deles e ponto final. Ou pelo menos 300 deles o fizeram (quem foi mesmo que usou esse número de deputados para uma frase famosa à época?). Cavalcanti foi o primeiro a despir a fantasia de "representante do povo": sua principal promessa de campanha não era botar a Câmara para funcionar ou dar a ela a característica que jamais deveria deixar de ter, a de um poder, contraponto com o Executivo. Era pura e simplesmente aumentar o salário dos colegas e dar-lhes melhores condições de vida, ops, de trabalho. Ponto. Simples assim, cínico assim, honesto assim. Se o público está saturado dos privilégios de que gozam os pais da pátria, azar do público. Como diria Chico Anísio, na fantasia de deputado, "o povo que se exploda". Essa é a clara mensagem emitida pela eleição de ontem. Ou, se se quiser dizer com todas as letras: o Brasil ou ao menos o seu Parlamento se assume de uma boa vez como república bananeira. É melhor assim do que ficar disfarçando, andando por aí de terno e gravata, em vez da fantasia de Chiquita Bacana. Não melhora o desempenho parlamentar de ninguém, mas, pelo menos, é transparente. O nosso é nosso, ninguém tasca. Deve-se sem dúvida ao PT, por ação, omissão e/ou incompetência, esse despudor assumido. Se alguém conseguir enxergar uma maldita diferença entre os dois candidatos do partido ao cargo agora de Severino Cavalcanti, é porque leva no bolso um daqueles telescópios de altíssima potência ou, mais provavelmente, porque mente. Na era PT, que se dizia o único dono da moral e dos bons costumes políticos, a esculhambação é, afinal, assumida de público, a esbórnia é oficializada e o país deve virar o faz-me-rir do planeta. Parabéns.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:08 AM
|
By ArchIvo FERNANDO RODRIGUES
A gênese da derrota
BRASÍLIA - Luiz Inácio Lula da Silva foi o grande responsável pelo maior revés político do governo, materializado na madrugada de ontem, quando o candidato do Planalto, Luiz Eduardo Greenhalgh, perdeu a disputa pela presidência da Câmara. Conciliador, o presidente da República apostou numa acomodação natural de forças dentro do Congresso. Emitiu no ano passado sinais ambíguos sobre a emenda da reeleição dos então presidentes da Câmara e do Senado, João Paulo Cunha e José Sarney. Permitiu que dois ministros que têm gabinete no Palácio do Planalto, Aldo Rebelo e José Dirceu, trabalhassem o assunto de maneira antagônica, quase belicosa. A insuportável novela da reeleição começou em março. Só foi definitivamente sepultada em dezembro último. Feridas ficaram abertas. Não surgiu um nome de consenso dentro da Câmara para representar as forças governistas. Alguém duvida de que, tivesse passado a reeleição, Sarney e João Paulo teriam sido reeleitos? Lula sabia disso. Para não se indispor com Renan Calheiros -que ficou com a vaga de Sarney-, acabou ficando sem o terceiro cargo da República, que é a presidência da Câmara. Difundiu-se ontem em Brasília a versão de que o presidente acordou na Guiana e ficou "invocado" com a atuação de alguns de seus ministros. Não teriam sido eficazes para cabalar votos a favor de Luiz Eduardo Greenhalgh. A irritação é inverossímil. Seria como se Lula tivesse descoberto agora, dois anos e 47 dias depois de ter tomado posse, que sua articulação política é falha. A culpa pela derrota do governo é preponderantemente do presidente da República. Ele tem uma inapetência histórica para contatos com congressistas. Faz pouco o jogo do poder. Sua vida vai piorar. Antes, tratava diretamente com João Paulo Cunha, que lhe devia respeito hierárquico dentro do PT. Agora, terá de pedir favores a Severino Cavalcanti.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:07 AM
|
By ArchIvo JANIO DE FREITAS
O filme-catástrofe
"O governo só não sairá derrotado se a oposição não quiser", dizia aqui o artigo de domingo. A oposição quis. E muitos governistas quiseram também, só assim se explicando os 300 votos que na madrugada de ontem entregaram a presidência da Câmara dos Deputados à figura sempre secundária, mas nunca inofensiva, de Severino Cavalcanti. A óbvia composição dos votos vencedores não requer maior exame para invalidar a tese, logo vicejante no comentarismo político, de que o "baixo clero", o contingente amorfo dos deputados marginalizados, impôs-se às lideranças e aos dominantes e é o novo poder na Câmara. O conjunto vencedor é muito heterogêneo, o que faz com que haja menos um lado vencedor do que um lado derrotado -o governo. Derrota muito desmoralizadora, já por si mesma, considerando-se quanto o governo empenhou em cargos públicos e outras promessas, em pressões e em manobras baixas dentro de vários partidos, para ao final ver-se dura e quase debochadamente batido. Mas derrota sobretudo devastadora, em uma contemplação mais ampla da política, considerando-se que se segue a outra de grande peso e em que governo e PT também jogavam tudo: a derrota de Marta Suplicy, acompanhada por outras derrubadas eleitorais. Desastre tão bem construído, porém, só em hollywoodiano filme-catástrofe. Começa com as tergiversações para queimar a emenda de reeleição de José Sarney e de João Paulo Cunha, que teria resolvido tudo em favor do Planalto nas presidências do Senado e da Câmara. Mas fortaleceria João Paulo e suas pretensões ao governo paulista, e isso não convinha a certos petistas, sabendo-se que pelo menos outros quatro têm a mesma pretensão - Marta e Palocci, que dividem o coração de Lula, Dirceu e Genoino. Depois veio o golpe em Virgílio Guimarães, que venceu na bancada o primeiro turno da indicação para candidato. José Genoino entrou em cena à sua maneira, sustou o segundo turno e a bancada foi informada de que Lula desejava Luiz Eduardo Greenhalgh na presidência da Câmara. Virgílio retirou sua candidatura. Lula mais tarde negou a intervenção por Greenhalgh, mas era tarde. A bancada já caíra na manobra Genoino/Greenhalgh, formalizando a indicação, e o PT substituía um deputado com bom conceito e intimidade no plenário da Câmara por um candidato muito pouco beneficiado por simpatias. As condições pessoais de Virgílio aliadas à tradição, que entregava a presidência ao indicado pela maior bancada (caso dos petistas), como que antecipava o resultado final a favor do PT. José Genoino é o artífice da derrota. A presidência de Severino Cavalcanti, no entanto, é mais onerosa para a Câmara, para as próprias instituições e para a opinião pública a respeito da política, do que o é para o governo. Direitista e objetivo igualmente por princípio, Severino Cavalcanti esteve tão bem integrado no espírito e na prática repressora da ditadura como, depois, se adaptou à conveniente convivência com o novo regime. Não é improvável, pois, que o governo e o presidente da Câmara comunguem o suficiente para que a derrota governamental não o seja tanto, na condução dos interesses palacianos e ministeriais no Congresso. O sentido maior da derrota é mesmo o político. E não está figurado só em Severino Cavalcanti. No bojo da disputa na Câmara travou-se um confronto paralelo, e feroz, entre o círculo de Lula e o secretário fluminense Anthony Garotinho, que inspira ímpetos letais nos planaltinos. Foi outra derrota. Garotinho não só contribuiu com dezenas de votos contra o candidato governista como aumentou a bancada do PMDB a ponto de elevá-la ao nível dominante da bancada petista. Cria-se outro problema para o governo, que é o de definição da bancada majoritária na Câmara daqui para a frente. E tem mais, como depois se verá.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:06 AM
|
By ArchIvo LUÍS NASSIF
Uma história da China
Para os futuros analistas da racionalidade econômica brasileira, os últimos dias foram um prato cheio. Começou com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, declarando que "a grande discussão que se deve ter não é exatamente se as taxas de juros devem subir ou não, porque isso é uma discussão técnica". Fica-se sabendo que discussão técnica não se discute. Nas últimas entrevistas exclusivas concedidas, aliás, Meirelles não se aventurou a nenhuma discussão técnica. Remeteu todas as perguntas para a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), criando mais uma fruta que só dá no Brasil: presidente de Banco Central que se recusa a discutir tecnicamente. Aí se deriva para algo inimaginável em qualquer sistema de BC. No seminário, Meirelles defendeu o modelo asiático. Declarou que "nos anos 90 havia certo consenso de que o crescimento seria financiado com a poupança externa e por isso seria razoável conviver com os déficits em conta corrente". As sucessivas crises externas teriam mostrado que esse modelo produzia vulnerabilidade excessiva. Segundo ele, os asiáticos teriam quebrado esse paradigma, ao mostrar que o financiamento pode vir dos ganhos com a exportação. E afiançou que o Brasil passou a perseguir esse modelo. Enquanto Meirelles apresentava o "novo modelo" (mais velho que a Revolução Industrial), os juros continuavam a aumentar, e o câmbio, a apreciar. Ou seja, o presidente do Banco Central defendeu um modelo que é totalmente oposto do praticado. E o mercado nem piscou. Sabia que eram apenas palavras. Mês após mês o modelo está levando ao mesmo nó que, nas vezes anteriores, só se resolveu via crise: juros altos, apreciação do câmbio, aumento da exposição à próxima crise externa. Um dos pais desse modelo, o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, no artigo "O impacto do câmbio na inflação", reconhece que há uma apreciação do real e aponta dois caminhos para reduzi-la: o caminho "bom", se a política monetária for bem-sucedida; o "mau", se por meio de crise. Ilan sugere uma maneira "boa" de alcançar o equilíbrio, que embute um paradoxo. Com o sucesso da política monetária, o diferencial de juros seria reduzido, diminuindo a pressão sobre o câmbio e provocando uma desvalorização (já que a premissa é que o câmbio atual não é o de equilíbrio). Havendo a desvalorização, obviamente haverá o repasse para preços e contratos. Ou seja, se a política monetária não conduz a uma situação cambial de equilíbrio, os preços relativos também não estão em regime de equilíbrio. Basta o câmbio voltar ao "normal" para a inflação retornar. Se a política monetária não leva a uma situação de equilíbrio, quando ela será bem-sucedida? No Dia de São Nunca, obviamente.
Crédito Maria Helena Guimarães de Castro, que foi do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), entra em contato para informar que o PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional), embutido na reforma universitária, foi concebido em 2001, na gestão Paulo Renato de Souza.
| - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:02 AM
|
By ArchIvo A MP 232 e as décadas fracassadas PAULO RABELLO DE CASTRO
Qual a relação entre o próximo aumento de impostos no Brasil e a estagnação econômica da América Latina lamentada pelo FMI no seu último relatório sobre "Estabilização e Reforma"? Aparentemente, nenhuma. A MP 232, medida provisória editada na virada do ano e que tanta celeuma tem criado, por elevar ainda mais a carga tributária de assalariados e profissionais autônomos organizados como empresas, é, na aparência, apenas uma martelada a mais nos pregos que sustentam o corpo da classe média preso à sua cruz tributária. Na substância, porém, a MP 232 é o sintoma de uma doença muito mais grave, talvez incurável. Para muita gente desatenta, a MP não guarda nenhuma relação com o tema investigado pelo FMI: a "década da decepção", como foi chamado o péssimo crescimento da América Latina nos anos 90. Até pelo contrário, alguns gostariam de argumentar que, ao cumprir seu dever de buscar alcançar receitas tributárias capazes de cobrir as despesas de governo, as sucessivas administrações brasileiras estariam demonstrando sua "responsabilidade fiscal" -aliás, promulgada como lei no Brasil, em 2001. Portanto taxar a classe média com uma carga adicional seria manifestação de seriedade administrativa e gestão inteligente, própria de qualquer receituário de boa política fiscal, numa interpretação livre do receituário dos técnicos do Fundo Monetário Internacional. De fato, tudo leva a crer que sim. A tecnoburocracia do FMI não chegou a apoiar o Plano Real, em 1994 -aliás, tampouco o PT, no seu discurso de oposição daquela época. Contudo a efetiva estabilização dos preços trouxe o FMI para o lado dos elogios à política econômica, principalmente quando a banca internacional voltou a emprestar fartamente ao Brasil, cujo novo modelo de endividamento público com taxação crescente parecia estar "dando certo". As visitas freqüentes de Monsieur Camdessus, o então diretor-gerente do FMI, às partidas do Maracanã eram precedidas por entrevistas sobre seu entusiasmo radiante com o modelo brasileiro. Por trás da aparência, contudo, a proposta de estabilização monetária, com efetiva contenção de gasto público, exposta na medida provisória que criou o Real, ia perdendo substância a passos largos, à medida que a turma do "já ganhou" tomava conta da patética cena de entusiasmo sem substância. Estávamos, então, em plena década de 90, entre os anos 94 e 98. A Argentina também vivia um "momento de ouro", com a outra experiência de estabilização que decretara a total conversibilidade do peso argentino ao dólar, na paridade garantida de um para um. Mais elogios radiantes à administração econômica de Carlos Menem e Domingo Cavallo, num contexto reformista que parecia imbatível. Ali, também, o desequilíbrio fiscal-financeiro estaria encomendando a crise futura, mas o ambiente "reformista" de então era a chave para os encômios do FMI. Por pouco a banca não deu passagem à Argentina ao clube dos países com "grau de investimento" (o "investment grade" das agências de rating). A Argentina chegou perto disso, antes de despencar, de uma só pancada, para o nível de "default", em 2001. Quem sabe os técnicos do FMI responsáveis pela recente investigação sobre a "década da decepção" na América Latina devessem se aprofundar mais nos porquês do baixo desempenho da região, no período que vai dos anos 80 até hoje. Teriam, então, o desconforto duplo de, primeiro, perceber que o Brasil e a Argentina, além da Venezuela, foram os países que mais puxaram para baixo as estatísticas de desempenho da região e, segundo, ficar sabendo que o próprio FMI endossou esses modelos. Aliás, nos últimos 23 anos (1980 a 2003), quando excetuado o Brasil, a América Latina "sem Brasil" cresce bastante mais do que quando somada ao desempenho do nosso país. Durante todo esse período, estabilização e reformas foram deflagradas aqui, quase sempre com o endosso do FMI, do Banco Mundial, do BID e de outras entidades multilaterais, além de foros financeiros como o de Davos, onde Lula acaba de recolher os mesmos perigosos elogios dos banqueiros americanos que antes incensavam autoridades do Brasil e da Argentina durante todos os anos 90, como pude testemunhar tantas vezes pessoalmente. O resultado da conta de tantos "sucessos" tem sido um pífio desempenho, a Argentina tentando sair do calote, oficializando-o, e o Brasil chegando ao sétimo ano de relação de dependência aos recursos do FMI. O que tem esse retrospecto de um desempenho sofrível, na década passada, a ver com a MP 232, em plena euforia de nossa recuperação econômica em 2005? Tudo! O passado ainda nos condena, nos vigia e nos determina. Ao desperdiçar a década de 90, após a década "perdida" dos 80, acumulamos uma série de traços negativos e qualidades perversas que marcam e restringem nosso desempenho. Para decepção dos que, hoje no poder, se entusiasmam compreensivelmente com o atual surto de recuperação -esse recente alívio da prolongadíssima crise- , não há por que esperar resultado diferente do que temos colhido quando o desempenho geral da política econômica persiste sendo o mesmo: um país que trabalha para sustentar a máquina do governo, no qual impera o assistencialismo ineficiente e bem-intencionado, em que o gasto público tem precedência política sobre a saúde financeira das empresas e dos cidadãos tributados. Enquanto não houver uma efetiva mudança desse paradigma fundamental, mais MPs da espécie 232 serão editadas, sob as mais diversas e louváveis justificativas. Nossos governantes continuarão sendo paparicados em reuniões de bate-papo de celebridades internacionais, o FMI continuará "perplexo" com os péssimos resultados de seus ótimos receituários e na região, enquanto nós, tristes conviventes da geração "pós-milagre", teremos de sair à busca de um novo adjetivo para qualificar o triste desempenho do país na presente década, após aquela que foi perdida e depois da que foi desperdiçada. | - Publicadoem: Wed, Feb 16 2005 9:01 AM
|
Nenhum comentário:
Não é permitido fazer novos comentários.