Luiz Garcia 13.8.2004 Novas visitas à redação
O projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) deveria — até como homenagem às desejadas virtudes de nosso estilo profissional — ter texto simples, direto e objetivo.
Mas quem o escreveu — ou quem, na Casa Civil, reescreveu certos trechos — preferiu esbanjar generalizações nas quais o tom enfático não esconde a ausência de explicações objetivas sobre o que se pretende atingir; principalmente, sobre como chegar lá. Isso permite a cada um entender o que bem quiser. Se algo entender.
Por exemplo, o conselho e suas filiais estaduais deverão orientar, disciplinar e fiscalizar “o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo”.
Esse conjunto de expressões chega muito perto de significar que a nova autarquia — um braço do Estado — terá poderes perigosamente próximos do controle sobre tudo aquilo que os meios de comunicação levarão à sociedade. Inclusive sobre o que ocorre nos salões e desvãos do mesmo Estado a que serve a dita autarquia.
Pior, prevê-se um controle a priori, com atitudes e formas de tratamento preestabelecidas. Não há outra forma de entender o verbo “orientar”. Vai ver, não é essa a intenção, nem da Federação Nacional dos Jornalistas, mãe da criança, nem de Lula, pai adotivo. Pode ser apenas problema de mau texto mesmo. Oremos.
Adiante, o CFJ ganha o poder de criar um código de ética e disciplina, a que todos os jornalistas do país estarão submetidos. Esse documento regulará os deveres do jornalista com a comunidade, as suas relações com os outros jornalistas e ainda um enigmático “dever geral de urbanidade”.
Num trecho de humor negro, afirma-se que o jornalista, ao obedecer a todas as essas normas, deverá manter “independência em qualquer circunstância”.
Vai ser um bocado complicada essa independência obrigatória.
Pior, o projeto ignora princípio elementar do jornalismo. É com certeza indispensável uma permanente preocupação ética; mas isso nem de longe sugere uma padronização de comportamentos e decisões. Exemplo elementar: seria ético divulgar sem qualquer apuração complementar uma informação não oficial de fonte policial? A única resposta firme e enfática a essa pergunta é: Depende.
Depende do lugar, da polícia do lugar, da fonte em questão e do que o jornalista sabe sobre sua forma de agir. E boa comunicação social terá a comunidade em que os diferentes veículos tenham respostas honestamente diferentes a esse tipo de pergunta. Todos, por exemplo, somos a favor da denúncia a serviço do interesse público, e contra o denuncismo contratado por interesses desonestos. Apenas não há como defini-los com precisão num texto de lei. Não se conhece melhor maneira de tratar o assunto do que cada um seguir sua consciência — e aguardar o julgamento da opinião pública.
Mais do que um código pasteurizante, o que serve ao leitor é uma permanente e obsessiva preocupação ética nos meios de comunicação — sem a menor obrigação de uniformizar a informação.
O fato é que não há códigos ou leis que cubram todas as alternativas, todas as escolhas, todas as nuances de tratamento de um assunto. A única alternativa para o futuro CFJ será designar um representante da autarquia para cada redação, incumbido de examinar, caso a caso, “a fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe”.
Não acredito que haja um só membro da Fenaj que se preste a um papel desses. Lembrará muito outro tipo de visitantes que, em tempos passados mas não esquecidos, decidiam o que seria ou não seria publicado.
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