"Os pobres, nos livros de Guimarães Rosa,
falam melhor do que nós, pensam melhor do
que nós, se comportam melhor do que nós.
Rosa glorifica a bandidagem, as idéias
e a espiritualidade dos pobres. Ele era
o John Travolta da 'nonada'"
10/7/2004
A gente gosta de pobres. A gente gosta tanto deles que nunca pensou em torná-los menos pobres. A gente gosta de votar em pobres, de reclamar de pobres, de escrever sobre pobres. De fato, a literatura brasileira desapareceria se não fossem eles. A Feira de Livros de Paraty acaba de homenagear Guimarães Rosa, o maior representante do pauperismo na literatura nacional. Os pobres, em seus livros, falam melhor do que nós, pensam melhor do que nós, se comportam melhor do que nós. Dá vontade de largar tudo e ir morar no sertão mineiro. Enquanto eu atravesso a Visconde de Pirajá para comprar meio quilo de alcatra no açougue, os sertanejos rosianos atravessam um universo épico. Enquanto eu combato os cupins no chão de sinteco da sala, eles combatem o Diabo em pessoa. Rosa glorifica a bandidagem, as idéias e a espiritualidade dos pobres. Uma espiritualidade muito semelhante à sua, aliás. Rosa conseguia acreditar simultaneamente em umbanda, kardecismo e cientologia. Era o John Travolta da "nonada".
Lula, no balanço de um ano e meio de poder, tentou demonstrar que está trabalhando pelos pobres, embora não tenha podido dar um aumento relevante do salário mínimo. Um aumento para 275 reais, segundo os economistas petistas, representaria um custo adicional aos cofres públicos de cerca de um bilhão e meio de reais. Um bilhão e meio de reais é a quantia que Lula gasta anualmente em propaganda, para persuadir o eleitorado pobre de que ele está trabalhando pelos pobres. Que eu saiba, nenhum governo do mundo gasta tanto em propaganda quanto o nosso. Um bilhão e meio de reais foi também o que a Petrobras gastou para comprar uma distribuidora de botijões de gás. O maior problema do Brasil é o gigantismo do Estado. Como responde Lula? Aumentando ainda mais o Estado. Um bilhão e meio de reais, enfim, é bem menos do que Lula gastou na liberação de recursos aos seus aliados, para obter votos no parlamento ou para financiar obras eleitoreiras. A democracia brasileira se fundamenta no achaque eleitoral e na compra de votos.
Lutar pelos pobres, no Brasil, é sempre um bom negócio. O caso mais flagrante é o das aposentadorias aos perseguidos pelo regime militar. José Dirceu foi um dos primeiros beneficiários da Lei de Anistia, passando à frente de muitos octogenários e nonagenários mais pobres do que ele. A rigor, Dirceu ficou menos pobre por ter defendido uma revolução comunista em favor dos pobres. Uma dúvida: ele entrega um quinhão de sua aposentadoria ao partido ou a regra se aplica apenas ao seu salário ministerial? Quem também furou a fila da Comissão de Anistia e garantiu uma rica aposentadoria vitalícia foi Carlos Heitor Cony. Como se sabe, Cony contestou duramente o regime militar, sobretudo quando esteve na direção de órgãos subversivos como a revista Desfile ou quando se prestou a redigir os manifestos indignados do grande revolucionário Adolpho Bloch.
Ainda bem que o Brasil tem tantos pobres. Dá e sobra para todo mundo: para os escritores, para os políticos, para os revolucionários, para os jornalistas. O que seria de nós sem tantos pobres?
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