segunda-feira, março 08, 2004

Merval Pereira Vícios municipais



6/3/2004 e 7/3/2004

Uma boa gestão aumenta a probabilidade de reeleição de um prefeito? Prefeitos envolvidos em crimes ou irregularidades são punidos pelo eleitor? Prefeitos que tiveram projetos premiados em concurso foram também premiados pelas urnas? O equilíbrio fiscal dá votos? Ou será o sucesso eleitoral determinado por fatores políticos (o partido ou coligação, o apoio do governador ou do presidente)?

Para responder a essas perguntas, os consultores do Senado Marco José Mendes e Carlos Alexandre Amorim Rocha fizeram um estudo econométrico sobre a última eleição municipal, em 2000, com dados referentes a 96% dos 5.561 municípios brasileiros.

Eles escolheram as eleições para prefeito por ser ele “o principal gerente dos serviços públicos diretamente fornecidos à população. É a figura política que pode ser mais facilmente identificada como responsável pelos buracos e sujeira das ruas, pelo bom resultado de um novo corredor de transporte ou pela falta de vagas nas escolas públicas”.

Segundo eles, “a eventual constatação de que uma má ou boa performance administrativa reduz ou aumenta a probabilidade de reeleição de um prefeito seria um indicador de que o processo democrático e eleitoral do país apresenta algum grau de eficiência na seleção dos melhores políticos”.

Eles chegaram, porém, a conclusões nada animadoras, embora pressentidas pela maioria da opinião pública:

a) o eleitor e as instituições monitoram a performance do prefeito apenas parcialmente, dando ênfase aos fatos de grande repercussão na imprensa;

b) a probabilidade de reeleição está correlacionada com a expansão do gasto público, indicando que o modelo de federalismo fiscal do país não favorece a disciplina fiscal;

c) o Sul-Sudeste, mais desenvolvido, é mais eficaz que o Norte-Nordeste para punir a má performance;

d) o presidente da República influencia o resultado a favor de seus correligionários, mas os governadores, não.

Entre as principais conclusões saídas da pesquisa, está a de que a performance dos prefeitos reflete-se no resultado eleitoral apenas de maneira parcial. “Variáveis relacionadas a fatos amplamente divulgados pela imprensa, como a acusação por cometer crime grave ou ser premiado por boa gestão, afetam significativamente as probabilidades de candidatura e/ou de reeleição. Já indicadores de performance de menor visibilidade não parecem afetar as chances de candidatura ou reeleição, como é o caso dos prefeitos listados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como autores de irregularidades”, aponta o estudo.

A acusação por crime grave possui outra característica que demonstra o acompanhamento parcial dos eleitores: “Os acusados encontram dificuldades para conseguir se candidatar a um novo mandato, mas uma vez que consigam confirmar a candidatura, suas probabilidades de reeleição tornam-se iguais às dos demais prefeitos”, constataram os consultores.

É o caso do prefeito de Alfenas, em Minas Gerais, José Wurtemberg Manso (PDT), mostrado no “Jornal Nacional” semana passada distribuindo dinheiro para vereadores o apoiarem. Ele já havia sido prefeito outras duas vezes, e terminara cassado por improbidade administrativa.

Também indicam um monitoramento parcial da atuação dos prefeitos “as variáveis associadas a resultados de políticas públicas, como saúde e educação. Na maioria dos casos analisados, as variáveis ou não estão correlacionadas com o resultado eleitoral, ou afetam apenas as chances de candidatura à reeleição, não afetando a reeleição propriamente dita”.

O estudo analisou o grupo dos municípios com piores indicadores de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias no início do mandato do prefeito. “Espera-se que os eleitores desse município, acossados por tais doenças, premiem os prefeitos que obtiverem bons resultados no seu combate. Por isso, testamos se houve alguma associação entre a redução da mortalidade por doenças infecto-contagiosas e a probabilidade de reeleição, mas nada encontramos”, revela Marco José Mendes.

“Em experimento semelhante, também não encontramos correlação entre reeleição e melhoria na rede de atendimento básico de saúde. Alguma correlação, um tanto fraca, foi encontrada para o aumento na cobertura de exames pré-natal e na qualificação e no número de professores do ensino fundamental”, lamenta o pesquisador.

A segunda conclusão relevante é de que “as chances de reeleição estão intimamente associadas à expansão da despesa municipal”. O estudo revela que “há uma correlação positiva entre taxa de crescimento da despesa e as probabilidades de candidatura e de reeleição. O comportamento fiscal mais correlacionado com o sucesso eleitoral é a expansão da despesa pública”.

Segundo o estudo, em média um prefeito que tenha reduzido em 10% a despesa corrente ao longo do mandato teve uma probabilidade de reeleição de 28%. Já aquele que aumentou a despesa em 50% teve a probabilidade de reeleição ampliada para 43%.



O fato de ser correligionário do presidente da República, o que possivelmente facilita o acesso a recursos federais, também aumenta a probabilidade de reeleição, mostra o estudo realizado pelos consultores do Senado Marco José Mendes e Carlos Alexandre Amorim Rocha sobre as eleições municipais.

“Os partidos políticos, normalmente considerados frágeis e de pouca influência, parecem não ser tão frágeis, uma vez que o fato de pertencer ao partido do presidente da República garante ao prefeito alguns pontos percentuais a mais nas chances”, afirmam os consultores.

O estudo revela que prefeitos do PSDB, mesmo partido do presidente à época da eleição estudada, “ganhavam em média 3,3 pontos percentuais em suas probabilidades de reeleição, enquanto que prefeitos candidatos por outros partidos que enfrentassem um concorrente do partido do presidente perdiam 4,7 pontos percentuais em suas chances de reeleição”.

Nas eleições de 2000, o PT, então oposicionista, teve praticamente o mesmo número de votos do PMDB, que era aliado do governo Fernando Henrique — 20.046.693 contra 19.910.390 —, ambos ficando com pouco mais de 17% do eleitorado.

No entanto, em número de municípios, o PT ganhou apenas 185 prefeituras , ficando com irrisórios 3,32% delas, contra 1.255 do PMDB, que tem o domínio de 22,5% das prefeituras brasileiras. O PSDB em 2000, elegeu 992 prefeitos, ficando com 17,8% dos municípios. E o PFL elegeu 1.019, 18,3% das prefeituras.

Essas conclusões do estudo, extraídas da experiência das eleições municipais de 2000, indicam para o fracasso da estratégia montada pela oposição, de tentar federalizar a eleição municipal. PSDB e PFL, através de seus presidentes, fecharam acordo para levar a suas respectivas campanhas a crise política desencadeada pelo escândalo do ex-assessor do Planalto Waldomiro Diniz.

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, concorda que as eleições municipais historicamente não refletem questões nacionais, o que vem referendar a tese dos dois consultores do Senado.

O estudo mostra ainda que prefeitos de municípios recém-criados se reelegem com muito mais facilidade do que a média. A probabilidade de reeleição de um prefeito de município novo é 21 pontos percentuais superior à média. De uma média nacional de 39%, esta probabilidade sobe para 60% no caso de município novo.

O estudo considera que a vantagem dos novos municípios se deve “provavelmente porque têm mais liberdade para gastar, visto que não têm dívidas acumuladas, já nascem com transferências federais garantidas, e têm amplas possibilidades de contratar novos funcionários e fazer gastos com imóveis e equipamentos para instalar a nova administração”.

Segundo os consultores Marco José Mendes e Carlos Alexandre Amorim Rocha, “esse resultado está, possivelmente, associado ao modelo de federalismo fiscal vigente no Brasil, que induz os munícipes e seus representantes a ampliarem ao máximo o gasto local e pleitear transferências federais adicionais para financiar as despesas extras”.

O estudo ressalta, porém, que “o período estudado é anterior à Lei de Responsabilidade Fiscal, que instituiu diversos limites legais ao gasto dos estados e municípios. Existe a possibilidade de que essa mudança institucional tenha imposto limites ao uso da despesa como ferramenta eleitoral”. A eleição municipal deste ano, a primeira sob a Lei de Responsabilidade Fiscal, poderá mostrar se esses vícios foram sanados.

O estudo constatou, mais uma vez, um padrão diferenciado no Norte-Nordeste em relação ao Sul-Sudeste. “No primeiro, a influência do presidente é maior e o expurgo dos prefeitos acusados de crimes graves não ocorre. Padrão inverso é observado no Sul-Sudeste, que pune com mais rigor o prefeito acusado de crime e não privilegia o candidato do partido do presidente.”

A influência do presidente “é mais pronunciada na região mais pobre e dependente de recursos federais, o que reforça a hipótese de vínculo entre a influência do presidente e seu poder de transferir recursos aos municípios”.

Por outro lado, ressalta o estudo, “reforça-se a interpretação de monitoramento parcial da performance dos prefeitos, uma vez que somente nas regiões mais desenvolvidas, onde, na média, os eleitores são mais instruídos e mais informados, é que os eleitores e as instituições conseguem barrar a candidatura de prefeitos acusados de crimes graves”.

Os resultados obtidos “desafiam algumas teses correntes na literatura de ciência política”, dizem seus autores. Os governadores, por exemplo, “normalmente considerados muito influentes, não parecem ter poder de influenciar o resultado eleitoral nos municípios”.

Segundo o estudo, “os governadores, afundados em altas dívidas, folhas de pagamento inchadas e um forte compromisso de ajuste fiscal em decorrência da renegociação de suas dívidas com a União, têm poucos recursos adicionais a oferecer aos prefeitos”.

O resultado disso parece estar refletido na inexistência de correlação entre a probabilidade de reeleição e a posição de aliado ou de adversário do governador, concluem os consultores.