"O programa cultural do novo governo
exalta os mestiços alegres, cheios de
ginga. E calcula que eles podem render
um bom dinheirinho. Com Lula, voltaremos
a ser o Brasil brejeiro dos tempos da
Aliança para o Progresso"
"Somos mestiços." É a primeira frase do programa cultural do governo Lula. De uma classe dirigente que pretende representar o novo, seria de esperar uma idéia um pouco menos caduca. Um pouco menos de preguiça intelectual. O elogio da mestiçagem podia fazer sentido nos anos 20 ou 30. Contrapunha-se a um determinismo racista que via o mestiço como um ser inferior, como um degenerado. Hoje, na melhor das hipóteses, lembra o "pé-na-cozinha" que Fernando Henrique Cardoso atribuiu a si mesmo. Populismo rasteiro. E um tanto ofensivo. Nossa mestiçagem é resultado de uma limpeza étnica, de um estupro coletivo praticado por senhores de engenho brancos contra escravas negras. Nada do que se orgulhar, portanto. Até porque o elogio da mestiçagem acaba embutindo um furto cultural. Como reagiria um negro americano se lhe dissessem que o jazz é fruto da mistura abastardada entre brancos e negros? Mas o problema é ainda mais grave. O programa do novo governo exalta, paternalisticamente, os mestiços alegres, musicais, cheios de ginga, antropofágicos, festeiros. E calcula que eles podem render um bom dinheirinho para o país. Basta aproveitá-los direito. Basta fazê-los dançar frevo ou maracatu e exibi-los no mundo inteiro. Com Lula no poder, voltaremos a ser o Brasil folclórico e brejeiro da Aliança para o Progresso. O Brasil do Zé Carioca.
Uma das principais propostas do novo governo é "democratizar o acesso à cultura". Na prática, isso significa levar a Orquestra Sinfônica para tocar no Piscinão de Ramos. Foi o que fez Antonio Grassi, secretário da Cultura do Rio de Janeiro e um dos signatários do programa de governo. Outro signatário, Beto Almeida, sugeriu suspender o pagamento da dívida externa para poder distribuir jornais e revistas grátis entre os pobres. O projeto de "TV regionalizada" é de Hamilton Pereira. O modelo ideal desse tipo de televisão, segundo ele, é uma reportagem da TV Cultura sobre a Semana do Tropeiro de Sorocaba, seu curral eleitoral. Já a prefeitura petista de Porto Alegre contribuiu com as "oficinas de descentralização". Nelas, "deixa-se aflorar o sensível e o imaginário, ao aportar o benefício da dúvida, o prazer e a emoção na descoberta de relações invisíveis ao primeiro olhar". Entendeu? Na era Lula, "oficinas de descentralização" irão difundir-se por todo o país.
O PT é o partido do funcionalismo público. Por esse motivo, é natural que a estratégia do novo governo seja burocratizar ao máximo. Na área de cultura, promete-se criar uma infinidade de novos órgãos, dotados de siglas sugestivas como SNPC, ou PNIC, ou PNC, ou INRC. Os signatários do programa lulista se queixam de que FHC destinou poucos recursos à cultura. É curioso notar, porém, que quase todos eles sobreviveram nos últimos anos graças à benevolência do Estado, recebendo salários do Estado, ensinando em universidades do Estado, produzindo obras subsidiadas pelo Estado. O igualitarismo do novo governo embaralha alta cultura e baixa cultura. E difunde a idéia demagógica de que todos os brasileiros possuem talento artístico, embora muitos se encontrem escondidos por causa do nosso "apartheid cultural". Não sei se o Brasil realmente tem tantos artistas escondidos. Sei que tem muitos que poderiam se esconder.
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