segunda-feira, março 09, 2015

O xadrez do impeachment - Opinião - Geral - Estadão Mobile

O xadrez do impeachment - Opinião - Geral - Estadão Mobile
Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S.Paulo

O contexto político está cada vez pior no País, com reflexos que já atingem e atingirão ainda mais o cenário econômico e as medidas de austeridade fiscal. A recusa da MP da desoneração da folha salarial pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, é só uma de suas expressões. Outras certamente virão. A lista dos políticos envolvidos na Lava Jato, finalmente apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo, abre uma nova etapa de investigação e de acirramento dos ânimos.

Convém, preliminarmente, ressaltar alguns fatores imponderáveis, cuja presença ou não podem influenciar diretamente esse quadro. O primeiro deles diz respeito ao desdobramento das investigações da Lava Jato, que podem vir a implicar a presidente Dilma no desvio de recursos da Petrobrás. Não se trata, aqui, de se estabelecer uma questão de ordem criminal. Todas as informações disponíveis indicam ser ela uma pessoa honesta. O problema é outro e essencialmente político. Ela pode vir a ser investigada por responsabilidade nos desmandos da Petrobrás tanto por ação quanto por omissão. Da mesma maneira, podem os recursos desviados da Petrobrás ter sido usados para financiamento de sua campanha eleitoral, o que seria muito grave. O segundo fator imponderável são as manifestações de rua, como a prevista para dia 15, pedindo o impeachment da presidente e assumindo firme posição contra a corrupção instalada pelo PT no aparelho de Estado.

As consequências de um impeachment são, constitucionalmente, de dois tipos. Se o impeachment for individual, não atingindo sua chapa, o vice-presidente assume normalmente, completando seu mandato. Ao contrário do que vem sendo veiculado pelas redes sociais, não haveria nova eleição. Nova eleição só ocorre se houver vacância simultânea da presidente e do vice. A eleição seria direta se a vacância simultânea ocorrer nos dois primeiros anos do mandato e indireta se nos dois últimos anos.

Cenário 1: impeachment da presidente, responsabilizada individualmente. O início do processo, independentemente de chegar a seu término, já lançaria o País num processo de profunda instabilidade, pois a substituição de um presidente por impeachment é altamente traumático. O País ficaria em suspenso e medidas econômicas dificilmente seriam tomadas.

Algumas condições:

1) O PMDB seria o principal beneficiário, pois o vice-presidente, Michel Temer, assumiria. A governabilidade seria garantida sem nenhuma dificuldade, pois o vice goza de prestígio e é conhecido por suas posições moderadas e institucionais. Certamente o PMDB nada faria para segurar a presidente.

2) As oposições certamente terminariam aderindo a esse processo de impeachment, pois se não o fizessem ficariam em completa dissintonia com a sociedade.

3) O PT, por sua vez, seria contra o impeachment, que tornaria completamente inviável o seu projeto de poder.

4) Note-se que a nomeação de Aldemir Bendine para a presidência da Petrobrás pode ser vista como tendo o objetivo de blindar internamente a instituição de qualquer investigação séria, que poderia envolver a atual presidente, o seu antecessor e o PT.

Cenário 2: vacância simultânea. Neste caso haveria a vacância simultânea da presidente e do seu vice. Para isso seriam necessárias provas que envolvessem também o vice-presidente. A possibilidade de um cenário desse tipo residiria em ser provado que os recursos desviados da Petrobrás haviam sido utilizados no financiamento da campanha de 2014. Seria necessário, ainda, provar o envolvimento do vice-presidente no caixa da campanha, o que não é uma hipótese das mais prováveis.

Algumas condições:

1) Mesmo que fosse aberto um processo de impeachment que abarcasse tanto a presidente quanto o vice, seria muito difícil implementá-lo, dada a força do PMDB no Congresso Nacional. O mais provável seria o partido desvincular o vice da presidente, individualizando os processos, deixando a presidente à sua própria sorte.

2) Observe-se que seria de interesse do PT a vacância simultânea da presidente e do vice, com o partido, sob a liderança de Lula, partindo para uma eleição direta tendo o ex-presidente como candidato. Essa hipótese não desagradaria ao partido, que mesmo tendo o ônus do impeachment tentaria reabilitar-se eleitoralmente com Lula.

3) Eis a razão, como plano B, de Lula já ter-se lançado candidato a presidente. As urnas acabaram de ser contadas e já surgiu um candidato para 2018. Será mesmo para 2018? Acontece que não houve precipitação, mas um cálculo de que Dilma poderia não cumprir a totalidade de seu mandato.

4) Tal cenário de vacância simultânea seria o pior para o País, pois os movimentos sociais estão sendo desde já mobilizados e instrumentalizados. Lula está adotando uma posição provocativa a respeito, apoiando explicitamente o MST e os sem-teto.

5) Em recente declaração incendiária, Lula afirmou que Stédile poderia pôr seu "exército" na rua. Isso significaria invasões no campo e na cidade, assim como obstrução de vias nas grandes cidades, tudo com a complacência do governo. Dilma não teria muito o que fazer, pois já renunciou ao controle desses movimentos sociais, que respondem a Lula e às alas mais radicais do PT.

6) Observe-se a estratégia extremamente arriscada adotada por Lula, podendo levar o País a uma crise institucional. Como muito bem se manifestou o Clube Militar, há somente um Exército, o brasileiro, o de Caxias.

7) Entretanto, esse cenário tem uma condição suplementar, a de Lula não estar envolvido nos escândalos da Lava Jato. Note-se que a maioria dos desmandos na Petrobrás se deu sob sua gestão presidencial, envolvendo pessoas próximas a ele.

A percepção correta dessas condicionantes se torna fundamental para que possamos entender a situação atual, que está muito mais para fino jogo de xadrez do que para futebol.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br 





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