sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Match point em Lisboa - Nelson Motta

Match point em Lisboa - Jornal O Globo

Match point em Lisboa

A cena é uma bola de tênis equilibrada sobre a rede, antes de cair, sem qualquer razão ou motivo, para um lado ou outro da quadra, definindo o jogo. O filme é "Match point", de Woody Allen, mas poderia ter acontecido domingo em Lisboa, no estádio de Alvalade, onde fui assistir o Sporting x Gil Vicente pelo campeonato português, que aqui ninguém chama de Portuguesão.

Convidado por amigos torcedores do Sporting, que equivaleria no Rio de Janeiro ao Fluminense, enquanto o Benfica seria o Flamengo e o Porto, o Vasco da Gama, adorei o estádio moderníssimo e especialmente o bufê espetacular em qualidade e variedade no camarote da marca de cerveja que patrocina o campeonato.

Como chegamos muito antes, passamos o tempo comendo e bebendo na parte externa do camarote, numa varanda que avança sobre as cadeiras, no ponto mais alto do estádio. Domingos bebia cerveja; Zé António, vinho; e eu fumava um cigarro, liberado na área aberta, conversando sobre os escândalos políticos brasileiros e portugueses, quando, num gesto mais estabanado, esbarrei na garrafa de cerveja que Domingos havia colocado na mureta do camarote, 20 metros acima das cadeiras.

Ainda vi a garrafa rodando no ar como se em câmera lenta e rumando como um míssil sobre um casal de idosos sentado nas cadeiras lá embaixo. Paralisado pelo pânico, não consegui nem gritar, vendo a garrafa passar raspando a cabeça branca da senhora e explodir atrás da cadeira. Enquanto gritávamos desculpas desesperadas, o casal estava assustadíssimo e justamente indignado. Um deles poderia ter morrido.

Naquela fração de segundo em que a garrafa passava raspando a cabeça da senhora e, talvez movida pelo vento do momento e do acaso, se desviava, minha vida poderia ter mudado. Me vi um homicida imperdoável, devastado pela culpa, vivendo um filme de terror numa terra estrangeira. Para piorar, a garrafa assassina era da patrocinadora do campeonato.

Dez minutos depois, um segurança do estádio, muito educado, veio saber o que havia acontecido. Nos desculpamos, e o caso foi encerrado. A cervejaria decidiu colocar uma proteção de acrílico na mureta.



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