FOLHA DE SP - 18/11
O ministro do Supremo atravessou um julgamento histórico deixando uma lição de tolerância e suavidade
Foi-se embora do Supremo Tribunal Federal o ministro Carlos Ayres Britto. Ocupou a presidência da Casa por apenas sete meses e presidiu o maior julgamento de sua história, engrandecendo a corte e o país. Sua maestria esteve na habilidade com que costurou em silêncio vaidades, conflitos e manobras. Em 2003, quando Lula nomeou-o para a corte, para os leigos sua biografia resumia-se a um viés regionalista e pitoresco: era sergipano e poeta. Depois soube-se que era também vegetariano. Antes de assumir a presidência do tribunal ele fixou outra característica: seus votos indicavam um jurista convicto de que a Constituição tem um espírito.
Num país onde a Carta é emendada como se fosse uma lista de compras, acreditar que há nela um indicador da alma da sociedade foi a maior das suas contribuições. Com esse entendimento, matou a Lei de Imprensa da ditadura com tamanho vigor que até hoje o Judiciário não digeriu direito seu voto.
Presidindo o julgamento do mensalão, deu um exemplo aos costumes nacionais mostrando que na política brasileira há espaço para a suavidade. Nunca elevou a voz, jamais acrescentou arestas a debates crispados. Num tribunal que passara pela presidência alegórica de Gilmar Mendes e irritadiça de Cezar Peluso, ele descalçava as meias sem tirar os sapatos. Britto aposentou-se dias depois da morte do mestre-sala Delegado da Mangueira, outro campeão da suavidade. Na política, ecoou a serenidade de Tancredo Neves e de Fernando Henrique Cardoso, dois mágicos, capazes de fazer com que as crises entrassem grandes e barulhentas em seus gabinetes e saíssem menores, em surdina.
De bem com a própria vida, Carlos Ayres Britto melhorou a dos outros.
PAPAI NOEL
O doutor Vinicius Couto, presidente da Associação dos Servidores do Superior Tribunal de Justiça, avisa:
"Informamos aos associados e demais servidores que foi deferido no Conselho de Administração, nesta manhã e por unanimidade, requerimento da ASSTJ solicitando que o feriado natalino e de final de ano fosse instituído para o período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, conforme preceitua o inciso I do art. 62 da lei 5.010 de 20 de maio de 1996."
O STJ intitula-se "Tribunal da Cidadania", mas só seus cidadãos-servidores usufruem desse presente.
ISSO DÁ CADEIA
Uma parte do empresariado brasileiro está assustada com as sentenças do STF que mandaram para a cadeia diretores de bancos e de agências de publicidade. Entendem que a jurisprudência aplicada no caso das teias do mensalão cria um clima de insegurança para seus executivos.
Os doutores poderiam passar os olhos num manual oferecido na semana passada pelo governo americano às empresas que operam no exterior. Chama-se "A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act". Ele ensina as empresas a tomar cuidado com contratos de consultoria, com pagamentos feitos em contas existentes em terceiros países e com mimos em geral. Mostra o risco que um empresário corre quando prefere não saber o que há por baixo do negócio.
O manual avisa que cada propina pode custar à empresa uma multa de até US$ 2 milhões. Diretores e funcionários arriscam canas de até 20 anos.
FERIADÃO
Para quem foi apanhado desprevenido no feriadão e gostaria de perder tempo com um grande livro. Está na rede "The Last Lion" ("O Último Leão - O Defensor do Reino"), por US$ 19,99). É a biografia de Winston Churchill, do historiador americano William Manchester. Vai de 1940, quando o Leão assumiu o governo da Inglaterra, até 1965, quando morreu.
Manchester foi-se em 2004 e escreveu só uma parte do livro. A obra foi terminada, a seu pedido, pelo jornalista Paul Reid, que se baseou no seu roteiro e nas notas que deixou. No papel, é um cartapácio de 1.232 páginas, mas ninguém precisa se assustar. O primeiro capítulo, "O Leão Caçado", com umas 120 páginas, é um magnífico retrato de Churchill, com sua obstinação, seus hábitos, charutos e bebidas. Entornava champanhe, conhaque e uísque, mas não chegava ao porre. Egocêntrico, não dava ordens verbais, tudo por escrito, para que ninguém pudesse falar em seu nome. Detalhista, mandou que se cuidasse dos bichos do zoológico porque as bombas alemãs podiam soltá-los. Era cruel ("eu não desejo mal a Stanley Baldwin -que ocupou o cargo de primeiro-ministro-, mas teria sido melhor se ele não tivesse existido") e antiquado, dizia "Pérsia", jamais Irã, e quando passaram a chamar a capital da Turquia de Ancara insistia em dizer Angora, pois não mudaria a designação dos gatos. Detestou "Cidadão Kane" e, depois que Frank Sinatra pegou em sua mão para festejá-lo, perguntou: "Quem é esse sujeito?"
Depois desse esplêndido retrato, sobra o gigante na Segunda Guerra, mas isso pode ficar para outro dia.
OS TABLETS DO COMISSÁRIO MERCADANTE
O governo da Índia anunciou que distribuirá milhões de tabuletas Aakash para estudantes ao preço de US$ 21 por unidade. Trata-se de uma venda subsidiada, pois no mercado as peças custam até US$ 80.
Grande notícia para quem achava que não se conseguiria produzir computadores por menos de US$ 100. É verdade que essas tabuletas não podem ser chamadas de computadores, mas dão para o gasto dos projetos pedagógicos que pretendem atender.
No Brasil está em curso a seguinte gracinha: em fevereiro passado o comissário Aloizio Mercadante anunciou que a Viúva compraria até 600 mil tablets para serem entregues a professores do ensino médio. O que eles fariam com os equipamentos, não se sabe, pois não havia projeto pedagógico para acompanhá-los. Nove meses depois, a Boa Senhora já comprometeu R$ 115 milhões para a compra de 380 mil tabuletas.
Eremildo idiota, fez a conta: cada uma sairá por R$ 302, ou US$ 150. Essa compra resulta de um pregão vencido por fornecedores que ofereceram quatro modelos, indo de R$ 277 a R$ 462. Tomando-se o preço do mercado indiano (US$ 80) e o mais baixo do pregão nacional (US$ 138), o cretino operou o Milagre de Simonsen. Brilhante economista e ministro da Fazenda de 1974 a 1979, Mário Henrique Simonsen enunciou uma lei segundo a qual em certos casos é preferível pagar a comissão para que se esqueça o projeto. Sem julgar o que houve na compra dos tablets, o cretino propõe o seguinte: reservam-se 10% dos R$ 115 milhões para despesas imprevistas. Sobram R$ 103,5 milhões e gasta-se esse dinheiro comprando 647 mil tabuletas de US$ 80, em vez de 380 mil a US$ 150.
Mesmo sem saber o que fará com elas, a Viúva ganha mais 267 mil tabuletas e, como sobraram os 10%, ficará todo mundo feliz.
O ministro do Supremo atravessou um julgamento histórico deixando uma lição de tolerância e suavidade
Foi-se embora do Supremo Tribunal Federal o ministro Carlos Ayres Britto. Ocupou a presidência da Casa por apenas sete meses e presidiu o maior julgamento de sua história, engrandecendo a corte e o país. Sua maestria esteve na habilidade com que costurou em silêncio vaidades, conflitos e manobras. Em 2003, quando Lula nomeou-o para a corte, para os leigos sua biografia resumia-se a um viés regionalista e pitoresco: era sergipano e poeta. Depois soube-se que era também vegetariano. Antes de assumir a presidência do tribunal ele fixou outra característica: seus votos indicavam um jurista convicto de que a Constituição tem um espírito.
Num país onde a Carta é emendada como se fosse uma lista de compras, acreditar que há nela um indicador da alma da sociedade foi a maior das suas contribuições. Com esse entendimento, matou a Lei de Imprensa da ditadura com tamanho vigor que até hoje o Judiciário não digeriu direito seu voto.
Presidindo o julgamento do mensalão, deu um exemplo aos costumes nacionais mostrando que na política brasileira há espaço para a suavidade. Nunca elevou a voz, jamais acrescentou arestas a debates crispados. Num tribunal que passara pela presidência alegórica de Gilmar Mendes e irritadiça de Cezar Peluso, ele descalçava as meias sem tirar os sapatos. Britto aposentou-se dias depois da morte do mestre-sala Delegado da Mangueira, outro campeão da suavidade. Na política, ecoou a serenidade de Tancredo Neves e de Fernando Henrique Cardoso, dois mágicos, capazes de fazer com que as crises entrassem grandes e barulhentas em seus gabinetes e saíssem menores, em surdina.
De bem com a própria vida, Carlos Ayres Britto melhorou a dos outros.
PAPAI NOEL
O doutor Vinicius Couto, presidente da Associação dos Servidores do Superior Tribunal de Justiça, avisa:
"Informamos aos associados e demais servidores que foi deferido no Conselho de Administração, nesta manhã e por unanimidade, requerimento da ASSTJ solicitando que o feriado natalino e de final de ano fosse instituído para o período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, conforme preceitua o inciso I do art. 62 da lei 5.010 de 20 de maio de 1996."
O STJ intitula-se "Tribunal da Cidadania", mas só seus cidadãos-servidores usufruem desse presente.
ISSO DÁ CADEIA
Uma parte do empresariado brasileiro está assustada com as sentenças do STF que mandaram para a cadeia diretores de bancos e de agências de publicidade. Entendem que a jurisprudência aplicada no caso das teias do mensalão cria um clima de insegurança para seus executivos.
Os doutores poderiam passar os olhos num manual oferecido na semana passada pelo governo americano às empresas que operam no exterior. Chama-se "A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act". Ele ensina as empresas a tomar cuidado com contratos de consultoria, com pagamentos feitos em contas existentes em terceiros países e com mimos em geral. Mostra o risco que um empresário corre quando prefere não saber o que há por baixo do negócio.
O manual avisa que cada propina pode custar à empresa uma multa de até US$ 2 milhões. Diretores e funcionários arriscam canas de até 20 anos.
FERIADÃO
Para quem foi apanhado desprevenido no feriadão e gostaria de perder tempo com um grande livro. Está na rede "The Last Lion" ("O Último Leão - O Defensor do Reino"), por US$ 19,99). É a biografia de Winston Churchill, do historiador americano William Manchester. Vai de 1940, quando o Leão assumiu o governo da Inglaterra, até 1965, quando morreu.
Manchester foi-se em 2004 e escreveu só uma parte do livro. A obra foi terminada, a seu pedido, pelo jornalista Paul Reid, que se baseou no seu roteiro e nas notas que deixou. No papel, é um cartapácio de 1.232 páginas, mas ninguém precisa se assustar. O primeiro capítulo, "O Leão Caçado", com umas 120 páginas, é um magnífico retrato de Churchill, com sua obstinação, seus hábitos, charutos e bebidas. Entornava champanhe, conhaque e uísque, mas não chegava ao porre. Egocêntrico, não dava ordens verbais, tudo por escrito, para que ninguém pudesse falar em seu nome. Detalhista, mandou que se cuidasse dos bichos do zoológico porque as bombas alemãs podiam soltá-los. Era cruel ("eu não desejo mal a Stanley Baldwin -que ocupou o cargo de primeiro-ministro-, mas teria sido melhor se ele não tivesse existido") e antiquado, dizia "Pérsia", jamais Irã, e quando passaram a chamar a capital da Turquia de Ancara insistia em dizer Angora, pois não mudaria a designação dos gatos. Detestou "Cidadão Kane" e, depois que Frank Sinatra pegou em sua mão para festejá-lo, perguntou: "Quem é esse sujeito?"
Depois desse esplêndido retrato, sobra o gigante na Segunda Guerra, mas isso pode ficar para outro dia.
OS TABLETS DO COMISSÁRIO MERCADANTE
O governo da Índia anunciou que distribuirá milhões de tabuletas Aakash para estudantes ao preço de US$ 21 por unidade. Trata-se de uma venda subsidiada, pois no mercado as peças custam até US$ 80.
Grande notícia para quem achava que não se conseguiria produzir computadores por menos de US$ 100. É verdade que essas tabuletas não podem ser chamadas de computadores, mas dão para o gasto dos projetos pedagógicos que pretendem atender.
No Brasil está em curso a seguinte gracinha: em fevereiro passado o comissário Aloizio Mercadante anunciou que a Viúva compraria até 600 mil tablets para serem entregues a professores do ensino médio. O que eles fariam com os equipamentos, não se sabe, pois não havia projeto pedagógico para acompanhá-los. Nove meses depois, a Boa Senhora já comprometeu R$ 115 milhões para a compra de 380 mil tabuletas.
Eremildo idiota, fez a conta: cada uma sairá por R$ 302, ou US$ 150. Essa compra resulta de um pregão vencido por fornecedores que ofereceram quatro modelos, indo de R$ 277 a R$ 462. Tomando-se o preço do mercado indiano (US$ 80) e o mais baixo do pregão nacional (US$ 138), o cretino operou o Milagre de Simonsen. Brilhante economista e ministro da Fazenda de 1974 a 1979, Mário Henrique Simonsen enunciou uma lei segundo a qual em certos casos é preferível pagar a comissão para que se esqueça o projeto. Sem julgar o que houve na compra dos tablets, o cretino propõe o seguinte: reservam-se 10% dos R$ 115 milhões para despesas imprevistas. Sobram R$ 103,5 milhões e gasta-se esse dinheiro comprando 647 mil tabuletas de US$ 80, em vez de 380 mil a US$ 150.
Mesmo sem saber o que fará com elas, a Viúva ganha mais 267 mil tabuletas e, como sobraram os 10%, ficará todo mundo feliz.
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